A Batalha Naval de Actium
44
a.C., Idos de Março, Roma
Julius Caesar, um dos maiores generais romanos, saíra vitorioso
de uma longa e sangrenta guerra civil e esperava agora que a paz
voltasse a Roma. Mas isso não iria acontecer.
Nesse dia, quando César saía do Senado apinhado, foi
esfaqueado e morto por 40 dos seus companheiros senadores. Os assassinos,
chefiados por Brutus e Cassius, outrora amigos de César,
imediatamente declararam o seu acto como uma vitória da liberdade
sobre a tirania (muitos senadores esperavam que o Império
sob o comando de César se tornasse uma orgia de abuso do
poder, a mais implacável das tiranias).
No entanto, para a maioria dos romanos, Julius Caesar tinha sido
um deus e poucas horas após o seu funeral esta cidade de
um milhão de habitantes estava amotinada. Roma corria o risco
de cair na anarquia. Marcus António, amigo íntimo
de Caesar e segundo no comando, interveio imediatamente numa tentativa
de reprimir os tumultos. Elevando a toga do seu mentor (Julius Caesar)
acima da cabeça do seu cadáver, Marcus António
apelava à vingança. Os assassinos de Caesar foram
forçados a abandonar Roma perdendo quaisquer esperanças
de abalar a opinião pública. Marcus António
conseguira virar os romanos a seu favor.
Pouco tempo depois da morte de César, Marcus António
tomou completamente o controlo de Roma. Esperava que o testamento
de César lhe concedesse o poder e o prestígio de que
necessitava para governar. Mas quando o testamento foi lido aos
cidadãos romanos, Marcus António tomou conhecimento
de que a maior parte da imensa fortuna de César não
lhe tinha sido deixada e, o mais importante, o nome de "César"
também não. O grosso da herança havia sido
deixado a um parente desconhecido de 18 anos: Caius Octavius, filho
adoptivo de César.
As notícias do testamento foram enviadas para Appolonia onde
Octavius se encontrava em treino militar com as tropas de César.
Apesar de apanhado de surpresa, o jovem Octavius reagiu rapidamente
e apressou-se a voltar a Roma com o fim de tomar posse da sua perigosa
herança. Embarcou para Itália e algumas semanas depois
desembarcava em segredo a Leste de Roma. A chegada de Octavius não
perturbou Marcus António. António era 20 anos mais
velho que Octavius e um bem sucedido membro do Senado romano.
O confronto inevitável ocorreu nos jardins de Pompeia, numa
ocasião em que Octavius sentiu que António o tratava
com altivo desdém. António começou por desprezar
Octavius e tudo fez para humilhar o que ele considerava um simples
garoto. Furioso com esta atitude, Octavius exerceu a sua influência
junto dos cidadãos mais poderosos de Roma, conseguindo rapidamente
o apoio dos senadores que se opunham a Marcus António. Num
gesto cheio de significado político mudou o seu nome para
Julius Caesar Octavianus e mandou mesmo cunhar moedas com a sua
efígie e a de César: o deus e o filho de deus. Estes
factos abalaram o domínio de Marcus António sobre
Roma e, acima de tudo, sobre o exército. Tinha, claramente,
substimado o seu rival.
Esperando reconquistar a chefia, António decidiu partir com
as legiões que ainda lhe eram fiéis, tendo como objectivo
enfrentar os assassinos de César no Norte da Itália,
apesar de esta ser uma ocasião perigosa para se afastar de
Roma. Com muitos dos membros do Senado implicados no assassinato
de César, Octavius tirou partido destas divisões políticas
angariando apoios, enquanto António estava no Norte da Itália.
Conseguiu convencer bastantes senadores de que as convicções
políticas de António representavam um perigo para
a sua segurança. O Senado autorizou-o a utilizar a força
contra Marcus António. Assim, servindo-se da imensa fortuna
de César, Octavius ofereceu a si mesmo um grande exército.
Quando estes rivais se encontraram pela luta do poder, em Modena,
no Norte da Itália, iniciou-se o combate. Mas as tropas de
António não estavam dispostas a combater os seus antigos
companheiros. A batalha transformou-se num motim e Marcus António
foi derrotado. Todavia, António ainda detinha muito poder
e ambos os contendores se aperceberam que só agindo juntos
poderiam evitar outra guerra civil. Concordaram em unir forças
e destruir qualquer potencial oposição à sua
aliança.
Durante a noite seguinte foram espalhadas, por toda a Roma, listas
contendo os nomes dos seus rivais: mais de 400 membros do Senado
e 2.000 proprietários. Todos aqueles cujos nomes constavam
da lista eram mortos, sem apelo, sem julgamento, sendo todos os
seus bens confiscados. Os que tinham a sorte de verem a lista antes
de os legionários chegarem, corriam para casa e suicidavam-se
pois só assim poderiam garantir aos filhos a herança
dos seus bens.
Roma foi pacificada. Todos os seus "inimigos" imediatos
tinham sido aniquilados. Constituíndo os assassinos de César
a única ameaça ao poder dos novos ditadores, Marcus
António e Octavius partiram com um exército colossal,
composto por várias centenas de milhar de homens, dispostos
a esmagar Brutus e Cassius. Foram encontrá-los nos olivais
do Norte da Grécia perto de uma pequena cidade chamada Philippi
(situada na antiga Macedónia, quase junto ao mar interior
grego).
42 a.C., Macedónia, Philippi
Foi uma luta difícil que só terminou quando Marcus
António reorganizou as suas tropas e aniquilou os últimos
apoiantes da antiga República.
Tendo a sua pouco promissora aliança atingido o objectivo
a que se propusera, Octavius e António decidiram dividir
a República em duas partes. Marcus António faria de
Atenas a sua capital e controlaria as províncias do Oriente,
enquanto Octavius dominaria o Ocidente e a cidade de Roma.
Com Octavius controlando Roma, os cidadãos esperavam agora
gozar um período de paz, um período em que a cidade
e as suas províncias conseguissem esquecer o assassínio
de César. Mas a tempestade que se preparava entre Octavius
e António, desde a leitura do testamento de Julius Caesar,
estava prestes a rebentar.
A faísca veio de uma antiga civilização: o
Egipto. E da sua brilhante e ambiciosa rainha, Cleópatra,
que fora amante de Julius Caesar. Agora, Cleópatra governava
por direito próprio com bastante sucesso.
"Dizem que a beleza dela não era incomparável
mas a sua presença tinha um encanto irresistível".
Descendia dos gregos Ptolomeus, conquistadores do Egipto, corria-lhe
nas veias a força do seu antepassado Alexandre Magno.
O Egipto tinha-se tornado vital para a sobrevivência de Roma.
O Nilo, com as cheias anuais e um delta fértil, alimentava
as províncias romanas em expansão. Alguns séculos
antes, os egípcios tinham aperfeiçoado a arte da irrigação
tornando o Egipto o celeiro do mundo.
Enquanto os governantes do Egipto permanecessem sob a sua influência
Roma sentir-se-ia segura mas agora o jovem príncipe Cesarião,
filho de Cleópatra e Julius Caesar, sentava-se no trono do
Egipto ao lado de sua mãe. Através de Cesarião,
Cleópatra tinha direito ao nome e poder de César.
Enquanto Cleópatra e o filho vivessem representavam uma grande
ameaça ao poder de António e Octavius sobre Atenas
e Roma.
Marcus António descobriu uma oportunidade de usar Cleópatra
a seu favor conseguindo uma aliança contra Octavius. Encontraram-se
na requintada barca da rainha e este encontro iria mudar o mundo
romano. Cleópatra imaginava-se a fundar uma nova dinastia
greco-romana e a reconstruir o império de Alexandre Magno
e dos antigos faraós.
António acreditava que uma relação com Cleópatra
fortaleceria o seu direito ao nome e dinastia do grande César.
Em Roma, Octavius usou a nova aliança de António e
Cleópatra como pretexto para começar uma nova guerra.
Encetou uma campanha de propaganda maliciosa contra Marcus António
para pôr fim ao apoio de que este ainda gozava. Alimentou
os receios existentes em Roma acerca do Egipto, divulgando histórias
de um Oriente decadente no qual demónios semi-humanos eram
adorados e as tropas comandadas por eunucos enquerquilhados. Afirmava
que o Egipto era uma terra de feiticeiros e magia negra, de sacrifícios
humanos e actos indecritíveis. Realizava numerosos jogos
nos estádios públicos onde denunciava os seus rivais.
Servindo-se dos grandes poetas do seu tempo criou uma imagem de
Marcus António semelhante à de um Hércules
derrotado: o grande guerreiro posto de rastos por uma feiticeira,
despojado da sua alma e da sua virilidade.
Octavius conduzia uma das campanhas políticas de maior sucesso
na história. Após algumas semanas, as multidões
exigiam-lhe que declarasse guerra ao Egipto.
Os apoiantes de António em Roma representavam ainda mais
de metade do Senado. Foram obrigados a partir. Mesmo depois do grande
sucesso da sua campanha, Octavius não queria arriscar uma
guerra em território italiano, queria defrontar António
num local da sua escolha. Mas necessitava de uma frota de guerra
para competir com António e Cleópatra. Anos de guerra
civil e ataques de piratas tinham deixado Roma sem uma armada eficiente.
Para superar este obstáculo, Octavius usou um lago vulcânico
protegido, junto de Nápoles. Aí, a salvo de ataques,
construiria uma grande frota. Quando as embarcações
estivessem prontas e as tripulações preparadas, transportaria
as embarcações por um canal até ao mar, a meia
milha de distância apenas.
Entretanto, em Atenas e Alexandria, trabalhavam também, milhares
de homens. Marcus António e Cleópatra preparavam o
seu exército e frota. Os Ptolomeus do Egipto sempre se destacaram
na construção de barcos. Esse facto, aliado à
força do exército romano de António, composto
por quase 90.000 homens, deu-lhes confiança na vitória.
Mas decorreram dois anos até que as forças adversárias
se defrontassem à entrada do mar Ândria. António
tinha estabelecido a sua base perto de uma pequena cidade chamada
Actium. Os espiões de Octavius deram-lhe esta informação
e, por isso, desembarcou as suas tropas mais acima, na costa, alcançando
o seu primeiro objectivo: tinha preparado uma armadilha a António,
podendo bloquear a frota de António. Foi isso que fez.
Como dois gladiadores desconfiados, os exércitos de António
e Octavius procuravam os pontos fracos de cada um. A tensão
quebrou-se quando a frota de António foi alvo de uma emboscada
ao levar para Actium mantimentos absolutamente necessários.
A maior parte das suas embarcações foi afundada.
31 a.C., Actium
Após este desastre, António sofreu a deserção
das suas tropas. E, a 1 de Setembro de 31 a.C., ao cair da noite,
observou o clarão dos seus próprios barcos que tinha
sido obrigado a incendiar por falta de homens que os tripulassem.
No acampamento, Marcus António e Cleópatra tinham
de tomar uma decisão difícil. Com a frota e o exército
ameaçados restavam-lhes apenas duas alternativas: ou atacavam
Octavius por terra, apostando na maior experiência militar
de António ou tentavam furar o bloqueio naval tantando salvar
o máximo possível de homens e mantimentos.
Os soldados de António afirmaram querer lutar em terra onde
a sua força e experiência garantiriam a vitória
mas Cleópatra achava que a única esperança
se encontrava no mar e a decisão final foi tomada na sua
tenda.
Na manhã seguinte, Marcus António ordenou às
230 embarcações que lhe restavam que se preparassem
para a batalha. Ainda que fossem quase metade do dos adversários,
os barcos de António eram muito maiores e ele esperava conseguir
abrir caminho por entre a frota adversária.
Mas Octavius e o seu almirante Agrippa provaram ser estrategas brilhantes
e, pouco depois, tinham cercado os barcos de António à
saída dos estreito da costa macedónica. Esta é
a última grande batalha naval da era romana. Mais de 700
embarcações travaram combates, individualmente e em
conjunto, numa área que abrangia várias milhas. Em
breve, os barcos de Octavius, mais pequenos e velozes, danificavam
seriamente os de António.
Quando o vento de súbito mudou, Cleópatra aproveitou
a oportunidade para se pôr a salvo e fugiu com a sua armada
que havia ficado sempre resguardada atrás da de António
(ficando entre a armada de António e alinha de costa, em
frente ao estreito de Actium). Marcus António dirigiu-se,
então, para o Norte rodeando a esquadra de Agrippa e rumando
depois para Sul ao encontro de Cleópatra, deixando os seus
homens a lutar sozinhos.
Sem a experiência do comandante, a frota de António
foi presa fácil para Octavius. À medida que o dia
avançava as baixas aumentavam e, ao anoitecer, o mar estava
pejado de cadáveres e barcos afundados.
Em terra, o exército massiço de Marcus António
comtemplava o mar incrédulo. Ao fim de uma semana todos se
tinham rendido. A imagem de um general romano fugindo de uma batalha
com a sua amante daria a Octavius a vantagem psicológica
decisiva.
Para António e Cleópatra foi uma derrota terrível.
O seu sonho ruíra. No ano seguinte (30 a.C.) Octavius entrou
vitorioso em Alexandria, capital de Cleópatra. Marcus António
preferiu suicidar-se a ter de enfrentar o seu velho inimigo. Cleópatra,
prisioneira no seu próprio palácio, apresentou-se
a Octavius oferecendo-lhe uma aliança. Perante a sua recusa
suplicou-lhe que poupasse a vida do filho. Mas a súplica
chegou demasiado tarde: Cesarião já havia sido executado.
Sabendo que Octavius iria exibi-la em Roma como um despojo de guerra,
Cleópatra também se suicidou (com a picada de uma
áspide segundo reza a lenda).
Pouco depois, Octavius declarou formalmente que o Egipto, o reino
do crocodilo, fazia parte do novo império romano. A vitória
deua a Octavius o domínio incontestado de Roma. E uma vez
mais deu provas da sua habilidade política. Sabia que o seu
antecessor, Julius Caesar, tinha sido assassinado por ostentar o
poder. Por isso decidiu manter os privilégios da Roma republicana
nos seus lugares. O Senado e os cônsules administravam o império
e intitulou-se simplesmente princeps: o primeiro cidadão.
Na prática, contudo, era Octavius que detinha o poder absoluto.
A batalha de Actium constituiu um momento decisivo na história
a que se seguiu o período áureo da prosperidade romana.
A autoridade de Octavius provou ser o alicerce sobre o qual se desenvolveria
um grande império, um império que unificaria a Europa
durante os 400 anos que se seguiram.
O novo poder de Roma foi caracterizado pela arquitectura grandiosa
e pela Pax Romana, paz sob o domínio romano. Quatro anos,
apenas, após a batalha de Actium, o Senado votou a atribuição
de um novo nome a Octavius: Augustus Caesar. A fase final da metamorfose
de rapaz em deus. Viveria durante mais 40 anos, durante os quais
transformou Roma na cidade mais grandiosa do mundo. Uma Roma e um
mundo que, 2.000 anos depois, ainda dão
testemunho dos seus feitos extraordinários.
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