Museu Nacional dos Coches

Links Relacionados

Veja todas as peças deste museu.
Conheça outros museus sob tutela do Instituto Português de Museus

0 museu dos coches é o mais famoso de todos os museus portugueses, em todo o mundo, porque a colecção de coches reais que nele se guarda é a mais rica que se pode encontrar em qualquer país, o que não deixa de ser surpreendente pois a monarquia portuguesa teve sempre grandes privações e dificuldades.

A sala principal onde se encontra hoje o museu dos coches tem grandes dimensões uma vez que, quando foi construído o edifício, era o picadeiro real. Era aí que o Rei e os seus amigos fazim exercícios equestres e praticavam a arte da cavalaria. Foi assim até ao reinado de D. Carlos e foi a mulher do Rei D. Carlos, a Rainha D. Amélia, que acabou com o picadeiro para aí guardar os riquíssimos coches reais que estavam a apodrecer pelas várias cavalariças onde se encontravam. A existência do museu deve-se, principalmente, à Rainha D. Amélia.

Neste momento existe um projecto que prevê a conversão do museu em picadeiro novamente. Começou por ser o picadeiro de El-Rei, depois a Rainha pediu para se colocarem lá os coches e neste momento pensa-se em remodelar o museu criando novas salas onde se possam pôr os coches e o restante material que se encontra no museu. Ficando a sala onde estão actualmente os coches para um novo picadeiro inserido no museu para cultivar a velha arte da cavalaria lusitana.

Entretanto levantaram-se vozes contra o projecto e este encontra-se parado. A discussão quanto ao arranque do projecto tem sido tanta que se caiu numa situação tradicional portuguesa: o impasse. Portugal não consegue ultrapassar este sistema da hesitação permanente!...

0 carro mais antigo que está no museu dos coches, que se situa na Praça Afonso de Albuquerque, em Belém, entrou em Lisboa no ano de 1619. 0 mais moderno é o carro que trouxe El-Rei D. João VI depois da Revolução Liberal, em 1824. Entre estas datas ficam 205 anos. São dois séculos de história que estão neste museu.

0 coche mais antigo é o coche dos Filipes. Entrou em Portugal em 1619 quando Filipe II de Portugal (III de Espanha) veio visitar Lisboa. Há quem afirme que ele teria vindo de Madrid até Lisboa nesse coche mas há razões que apontam para que não tenha sido assim: os rodados, as ferragens, acusam muito pouco desgaste o que indica que esse coche pouco circulou. Hoje está velho e é impressionante o tipo de velhice desse coche. Ainda se nota uma aplicação de latão dourado no poste frontal direito, apenas uma. Mas o coche estava todo forrado com essas aplicações o que testemunha o roubo imenso que se fez nesse coche. Apenas foi deixado o que era mais pesado. Apesar de tudo, chegou até nós num regular estado de conservação o que é muito positivo devido ao que se fazia ao património do país nesta época. Deve ter sido construído em finais do século XVI - só há dois carros deste género em todo o mundo: um é este e o outro está guardado num museu de Mascava.

Este tem pormenores curiosos e que revelam que ele foi feito para grandes viagens - o que pesa a favor da teoria de que Filipe II teria vindo nele de Madrid a Lisboa - pormenores como buracos sanitários por baixo das almofadas que constituem o assento. Os coches normalmente eram forrados com cortinas bastante espessas. 0 domínio filipino durou até à Restauração, em 1640. A guerra da Restauração iria durar desde 1640 a 1668 tendo sido bastante terrível. Por isso, dos reinados de 1640 em diante como o do Restaurador, D. João IV, não há coches nenhuns uma vez que os capitais eram todos aplicados na guerra.

0 seu filho, D. Afonso VI, também não teve qualquer coche mas quando o Rei casou com uma princesa de França - D. Maria Francisca de Nemur, prima afastada de Luís XIV de França - o Rei-Sol deu-lhe dois coches como prenda de casamento. Mas esse casamento não podia resultar pois o nosso Afonso VI mal falava pois era paraplégico, um diminuído profundo. Para além disso o Rei tinha um irmão D. Pedro, na altura com 18 anos e a Rainha seguiu o caminho da infidelidade com esse D. Pedro.

Ora, nessa altura, em França, deu-se um escândalo que talvez esteja relacionado com esta questão. Um editor publicou um livro com umas cartas eróticas chamado "Lettres Portugaises". Como em Portugal a Rainha andava envolvida em relações incestuosas o livro foi um sucesso garantido. Mas afirmou-se que essas eram cartas de uma jovem freira de um convento de Beja, Soror Mariana, que ficou com as culpas. Não havendo provas, o mais provável é que tudo não tenha passado de um esquema de um editor espertalhão para explorar o escândalo da prima do Rei-Sol.

Mas os três coches mais importantes deste museu são três dos coches que fizeram parte de uma Embaixada que o Rei de Portugal mandou ao Papa em 1716 (restam apenas três mas os coches dessa Embaixada eram 5 e haviam mais 10 coches pequenos). Os coches foram esculpidos em Itália pelos mais ilustres escultores da época.

Desses três coches um é alusivo aos Lusíadas, esculpido segundo indicações e pedido do nosso embaixador em Itália. As esculturas representam Neptuno, Marte e Tétris que vencem o gigante Adamastor e um Lego, que representa Portugal.

Outro coche é o de Lisboa. As esculturas representam Lisboa que está sentada num trono. Tem a saia da cor do ouro e é coroada pela deusa da fama e a ser servida pela divindade da abundância. Tem representados dois escravos - um africano, outro asiático - que foi de onde realmente vieram as nossas riquezas ao fim e ao cabo: do trabalho dos escravos nas minas do ouro.

0 terceiro coche é o coche dos oceanos. Tem duas figuras que se dão as mãos, que representam a Oceano Atlântico e o Oceano Índico que uniram a Europa e a Ásia devido à epopeia portuguesa. Nunca houve uma versão tão triunfal e glorificante da posição de Portugal no mundo como esta Embaixada ao Papa, como se pode ver pela pequena amostra que são estes três coches.

Mas estes coches, hoje, têm um valor diferente por aquilo que mostram. Apesar de estes coches não irem à Expo '98 que se realiza para o ano, os turistas vão concerteza visitar o museu dos coches. E o que vão ver são dois dos coches em bastante mau estado, mesmo deplorável. Só um dos coches está num estado razoável e isso porque esse foi exposto na Europália e nos Estados Unidos. Os outros, como não saíram, não foram restaurados. Ou seja, esta atitude do Estado que tem sido permanente desde há séculos confirma o ditado popular "Para fora cordas de viola, para dentro pão bolorento".

Com a Revolução Francesa acabou o tempo dos coches. Em Portugal, o próprio Marquês de Pombal já havia editado uma lei onde proibia de se andar num carro com mais de uma parelha atrelada. Uma parelha são dois cavalos. Esta lei era também significativa da mudança política de Pombal se atentarmos que a um coche real eram atreladas 8 parelhas e ao coche de um bispo ou de um embaixador se atrelavam 6 parelhas. Daí que o último verdadeiro coche que houve em Portugal tenha sido a coche onde a Rainha D. Maria I e o marido foram, em 1750, à inauguração da Basílica da Estrela. Eles não o sabiam, mas foi a última grande festa do Absolutismo em Portugal. Começou o drama na Europa, a guerra sangrenta (a Revolução Francesa). A corte sai de Lisboa e vai para o Brasil, devido às invasões francesas e à Revolução Liberal.
É certo que o Rei volta mas quando o faz já não recebe grandes saudações: "0 Rei voltou, o
Rei voltou/a espada não achou/e aos coices começou". Por isso o carro em que D. João VI percorre Lisboa é tão modesto, não se podendo chamar já de coche. 0 verdadeiro coche é aquele onde a Rainha D. Maria I foi inaugurar a Basílica da Estrela.

Retirado do programa "Horizontes da Memória - Glórias e Ruínas" do Prof. José Hermano Saraiva transmitido a 19.04.97 pela RTP2; Transcrito a 22 de Abril de 1997 Terça-feira, 3h06

Se algum utilizador desejar invocar questões de direitos de autor para que este artigo seja retirado deste web site clique aqui