O Egipto e a Esfinge
Invasões
napoleónicas
Partindo
do Cairo ao subir o Nilo, no Planalto de Gizé, à sombra
das pirâmides encontra-se uma das maravilhas do mundo. Ao
longo de perto de 5.000 anos, a sua existência tem estado
envolta em mistério, controvérsia e incerteza. Há
quanto tempo está naquele local? Quem a construiu? Porque
foi construída? De quem é o seu rosto? Existem câmaras
subterrâneas secretas? Todas
estas questões confundiram reis, exploradores e especialistas
durante séculos. Mas depois de tantas teorias, escavações
e debates, estaremos finalmente em condições de resolver
os mistérios da esfinge?
Em Julho de
1798, Napoleão Bonaparte invade o Egipto. No meio de uma
tempestade de areia com temperaturas na ordem dos 45 graus trava-se,
ao longo de duas horas, a Batalha das Pirâmides. E, logo depois
de alcançar uma das suas maiores vitórias, Napoleão
depara com algo inesperado, um objecto bizarro que poucos europeus
alguma vez tinham visto. O jovem conquistador de 29 anos ficou estupefacto
diante da cabeça colossal da esfínge a despontar da
areia. Napoleão queria saber mais acerca daquela criação
marcada pelo tempo bem como da cultura que a produzira.
Napoleão
tinha chegado com uma equipa completa e não apenas com a
expedição militar (que era o seu principal objectivo).
Chegou com uma equipa de engenheiros, pesquisadores, especialistas
e artistas. Durante
os três anos seguintes os homens de Napoleão registaram
tudo o que viam. Num tempo recorde documentaram grande parte dos
monumentos do Egipto, incluindo a esfínge. Existe um desenho
de magnífica qualidade que exibe pessoas na cabeça
da esfínge a medi-la com um fio de prumo. Muitos dos túmulos
e monumentos examinados pelos especialistas de Napoleão tinham
gravadas inscrições naquela que podia bem ser a mais
antiga escrita do mundo: a hieroglífica.
Após
a queda da antiga civilização egípcia, no ano
30 a.C., o significado dos hieróglifos permaneceu no mais
completo mistério durante os 1.800 anos seguintes. Em 1799,
um oficial de engenharia do exército de Napoleão tropeçou
numa lápide de granito perto de uma cidade chamada Roseta.
A pedra tinha gravada a mesma mensagem em três formas linguísticas
diferentes. Depois de completamente traduzida a Pedra de Roseta
havia de revelar-se a chave para decifrar os segredos do Antigo
Egipto. Quando os franceses foram expulsos do Egipto em 1801 levaram
consigo inúmeros tesouros mas nem por isso ficaram a saber
mais sobre a esfinge. Haviam de passar ainda mais 18 anos antes
que a estranha cabeça em ruínas começasse a
dar a conhecer os seus segredos.
Início das explorações não militares
Toda a gente
conhece a palavra esfinge mas são poucos quais os que sabem
qual a sua origem e significado. A palavra esfinge deriva de uma
palavra grega. Os gregos tinham um verbo, "esfingêe",
que significa apertar, restringir, apertar, estrangular e que está
relacionado com a sua própria mitologia e com a sua figura
mitológica da esfinge que era uma estranguladora. Esta palavra
grega em egípcio era uma palavra composta por aglutinação
de dois fonemas que significam "imagem viva". No fundo
é isso que a maioria das esfinges são: imagens vivas
de reis e monarcas ou imagens de um rei divino ou de algum deus.
1816, a primeira
escavação em redor da esfinge que se conhece na era
moderna. Foi levada a cabo por um negociante que se fez explorador
chamado Giovanni Camiglia. Camiglia chegou ao Egipto numa altura
em que se podia fazer o que se quisesse. Ele pôde escavar
e perfurar em qualquer sítio sem o risco de alguma autoridade
o parar. Com os ouvidos cheios das histórias e lendas locais
acerca de câmaras secretas e tesouros escondidos, camiglia
pôs-se à procura de uma passagem por dentro da esfinge.
Limpou a areia do pescoço e ficou estupefacto ao descobrir
que a cabeça estava agarrada a um enorme corpo de leão
com 70m de comprimento por 20 de altura. Entre as patas encontrou
os restos de uma pequena capela e um altar que mostrava vestígios
de lume. Talvez a esfinge fosse um templo e o altar tivesse sido
usado para oferendas pelo fogo.
Com grande determinação
e em risco contante de ficar soterrado pelas areias deslizantes,
Camiglia continuou a escavar. camiglia chegara já com uma
teoria na sua mente. Esta teoria era de que havia uma passagem desde
uma das patas da esfinge até à maior das pirâmides
de Gizé, a Grande pirâmide. esta ideia era uma fixação.
Camiglia procedia como se fosse o arauto das ideias da "New
Age" do início do século XX. Escavou em todo
o lado e encontrou... nada. Mas fez uma descoberta mais importante
do que se tivesse descoberto o seu túnel: a Estela dos Sonhos,
uma grande lápide vertical com inscrições hieroglíficas.
A Pedra de Roseta permitiu aos investigadores desvendar essa inscrição
intrigante que, segundo apuraram, datava do século XIV a.C.
e narrava os feitos de um príncipe de sangue real, Tutmés
IV.
A
lenda diz que o rei dormia na sombra da cabeça da esfinge
e a esfinge ficava enterrada até ao pescoço em areia.
A esfinge aparecia então num sonho e dizia-lhe que estava
a morrer pois a areia estava a matá-la. Se a areia fosse
removida a esfinge faria dele rei do Alto e Baixo Egitpo. Trata-se
de uma história puramente política pois sabemos hoje
que Tutmés IV matou o seu irmão mais velho que era
suposto ter sido o rei do Egipto. esta lenda parece ser um puro
acto de propaganda política adaptada às crenças
e à opinião pública da época. Propaganda
que enaltecia a grandeza deste jovem rei na mesma medida em que
servia de discurso de justificação e olvidamento do
acto de assassínio que esteve na origem da sua ascensão
ao trono.
A Estela dos
Sonhos continha aquilo que parecia ser uma referência a um
faraó anterior, mil anos mais antigo, chamado Kefren, que
mandara construir a segunda pirâmide. Tutmés parecia,
de alguma maneira, estabelecer uma ligação entre si
e esse faraó mais antigo mas a inscrição estava
meio apagada e a intenção de Tutmés não
ficava assim muito clara. A Estela dos Sonhos haveria de tornar-se
um ponto de referência para todas as controvérsias
futuras em torno da idade da esfinge. Tutmés foi o primeiro
a remover a areia mas não haveria e ser o último.
A areia que é trazida pelo vento que sopra do Norte do planalto
de Gizé encontra junto à esfinge um "buraco"
junto ao solo e é aí depositada. Assim, repetidamente
a esfinge vai sempre ficando mais enterrada à medida que
o tempo passa após cada escavação que a havia
libertado da areia. Numerosas escavações da esfinge
foram empreendidas ao longo do século XIX, mas frustrados
pela enorme quantidade de areia a remover, explradores e arqueólogos
deixavam enterrada a maior parte do monumento, optando por trabalhar
apenas em certos sectores.
Percurso desde o meados do século XIX
Entre os muitos
mistérios da esfinge contam-se vários objectos estranhos
visíveis nos seus flancos. Em 1853, dá-se a primeira
escavação ao longo do corpo da esfinge e, quase de
imediato, descobriram-se as enormes "caixas" de pedra
no lado sul. A Norte encontraram-se 3 cubos de pedra juntos à
esfinge. O que é mais notável em toda a história
da egiptologia é que ninguém se tenha perguntado porque
é que estão estas caixas ou cubos junto do corpo da
esfinge. Há algumas, poucas, evidências de que poderiam
servir de plintos ou bases para grandes estátuas que circundavam
o corpo da esfinge o que ajudaria a reforçar a teoria de
que a esfinge se poderia ter tornado um local popular para peregrinações.
A única caixa onde esta teoria não serve para explicar
a sua existência é a caixa do canto Noroeste. O topo
do cubo não parece que pudesse ter sustentado o corpo de
uma estátua, pelo menos da mesma forma como é aparente
nas outras caixas. Esta caixa continua a ser um pequeno mistério.
Nas escavações
de 1853, foi também descoberto o Templo do Vale a Sudeste
da esfinge. esta estrutura magnífica estivera soterrada por
toneladas de areia durante mais de mil anos. No interior descobriram-se
estátuas quebradas do faraó Kefren. Concluiu-se, na
altura, que o templo fazia parte do grande complexo mortuário
deste faraó e estava ligado por um passadiço à
sua pirâmide. A proximidade entre o templo e a esfinge sugeriu
aos académicos da época que a esfinge poderia ter
sido obra de Kefren. Com a invenção da película,
a esfinge tornou-se um dos temas favoritos dos fotógrafos.
A primeira foto conhecida foi obtida por Maxim Ducanp, em 1849.
As primeiras imagens cinematográficas da esfinge foram feitas
em 1902 pelos pioneiros franceses do cinema, os irmãos Lumiére.
A esfinge era predominantemente retratada como uma curiosidade,
uma mera oportunidade de fotografia mas não como um objecto
de estudo científico sério. Até 1922, quando
uma empolgante descoberta (o túmulo de Tutankamón)
a trouxe de novo para a ribalta e criou uma obcessão internacional
pelas antiguidades egípcias. O interesse pela esfinge viu-se
igualmente renovado.
Em 1925 um enegenheiro
francês, dirigiu a primeira remoção integral
de areia do monumento mas iniciou também uma série
de reparações altamente controversas. este restauro
a que se procedeu é considerado pelo menos dúbio,
nos dias de hoje. Na altura, um pensamento acossava os investigadores:
que uma tempesatade de areia violenta pudesse arrancar a cabeça
da esfinge e assim a cabeça (na área da cabeleira)
foi reforçada com cimento tentando numa vaga aproximação
reconstruir o que teria sido a cabeleira da esfinge. A reconstrução
não foi de facto bem executada tendo alterado profundamente
o aspecto da esfinge e alguns egiptólogos actuais chegam
ao ponto de aconselhar que o cimento desta restauração
seja removido.
Durante a segunda
guerra mundial, pela primeira vez os homens deram-lhe literalmente
uma cobertura de areia erguendo uma barreira de sacos de areia para
proteger o monumento das bombas nazis. desde que Napoleão
viu, pela primeira vez a esfinge, o homem moderno tem-se esforçado
por resolver os seus mistérios. Não foi descoberto
nenhum vestígio escrito sobre a criação do
monumento e nenhum pormenor sobre a sua construção
parece ter ficado inscrito em pedra ou papiro. Quem a mandou construir
e quando? Com que finalidade?
Alguns factos
A grande esfinge
é uma grande escultura de pedra recortada com base num leito
calcário. Repousa numa espécie de fosso encravado
numa pedreira, que foi explorada, segundo crêem a maioria
dos especialistas para obter os blocos com que foram construídas
as pirâmides. Se isto é verdade, então a esfinge
teria sido esculpida algures entre os anos 2.520 e 2.494 a. C. O
monumento foi uma criação brilhante da mais sofisticada
cultura do mundo da altura. Mas como é que essa cultura se
tornou tão avançada?
Até há
pouco tempo as teorias sobre as origens da cultura egípcia
variavam entre dizer que surgira
do nada e entre
uma invasão que teria trazido para a região novas
ideias. Trabalhos recentes sobre o período pré-dinástico
e antigas culturas do Egipto mostraram que, obviamente, não
teria sido assim. Se recuarmos até 5.000 anos, antes do início
da civilização egípcia, toda a região
seria drasticamente diferente. Na margem esquerda do Nilo, de 11.000
anos a 5.000 anos atrás, existia um ambiente mais próximo
da savana, com vegetação, animais e o homem. Seria
um ambiente muito mais rico que o das imagens de um quase deserto
que nos são familiares, com peixe nos rios, caça atraída
pela água do Nilo. E isto teria proporcionado a criação
de uma tecnologia ligada ao rio muito avançada mas que não
se traduzira em civilização (como nós a conhecemos)
e antes permitia a uma população fixa viver confortavelmente.
Desta forma, algo deve ter acontecido há 5.000 anos que tivesse
provocado a faísca da criação da civilização
egípcia.
No outro lado
da margem as coisas eram diferentes. Segundo os dados disponíveis
uma seca impressionante terá assolado a região ocidental
do Egipto, no quarto milénio antes de Cristo. Os lagos secaram,
os rios desapareceram e deixou de haver pasto para os animais. Durante
séculos, esta parte do país fora habitada pelo chamado
Povo do Deserto, grupos do género dos Beduínos que
cirandavam por ali. Para salvar as suas vidas e as dos animais o
Povo do Deserto migrou para a única fonte de vida que conhecia:
o Nilo. Este povo tinha a sabedoria do deserto, de pessoas que sabem
sobreviver num ambiente extremamente seco e que sabiam como utilizar
as rochas. Temos então este povo nómada com a sabedoria
do deserto misturado com pessoas muito sedentárias com tecnologia
de rio avançada. Poderia ter sido esta incrível mistura
das duas diferentes culturas, a passagem das ideias de uma para
outra, que teria iniciado a civilização egípcia.
É a partir
desta altura que temos dados sobre sociedades mais complexas. Os
enterros tornam-se mais complexos a partir de meados do quarto milénio
antes de Cristo e, nos finais deste milénio, haveria já
grandes territórios com governantes. E, finalmente, teria
emergido um rei. O Alto e o Baixo Egipto foram unificados pelo rei
Mnés, cerca do ano 3.000 a.C. Durante o seu reinado o Egipto
experimentou um espantoso ritmo de desenvolvimento social. Uns meros
500 anos depois, no reinado de Keóps, os egípcios
já tinham adquirido os conhecimentos e as técnicas
para se lançarem num processo extraordinário: a construção
de um das sete maravilhas do mundo, as pirâmides.
Foi uma altura
de experimentação, uma altura de projectos enormes
que permitiam à cultura por detrás deles expressar
todo o seu esplendor e magnificência. Não havia o fenómeno
da escravatura associado à construção das pirâmides.
Pelo contrário, sabemos que os construtores envolvidos eram
uma força muito especializada, uma força construtora
pioneira. O Egipto tinha já uma força de trabalho
altamente especializada e organizada. Em primeiro lugar organizada
por questões agrícolas. No entanto, na altura do ano
em que as actividades agrícolas estavam mais estagnadas era
preciso encontrar algo em que ocupar esta tremenda força
de trabalho. A estabilidade política dependia disso, em certa
medida. Um rei que cobrasse impostos ao longo de todo o ano quereria
ver os trabalhadores ocupados em algo produtivo ao longo de todo
o ano.
A construção
das pirâmides não seria talvez um projecto administrativo
com pagamento de salários como os conhecemos hoje. Seria
um projecto algo natural, em que as pessoas não teriam escolha
pois era a coisa mais natural fazer pelo pai que os governava a
todos. Contribuir para estes projectos massiços em Gizé
seria algo de muito positivo para quem estivesse envolvido. Seria
contruir a pirâmide da mesma forma como se participava na
criação desta grande nação indivisível
que era o Egipto.
Alguns não-factos!
A Grande Pirâmide
de Kéops demorou 23 anos a ser construída. Alguns
especialistas sugerem que, durante esse tempo, se construiu igualmente
a esfinge. Mas terá sido realmente Kéops ou algum
dos seus sucessores? Quatro faraós se sucederam durante a
quarta dinastia: Kéops, Djefre, Kefren e Miquerinus. Qual
deles é o busto da esfinge? A maior parte das pessoas acredita
que Kefren, o rei que mandou construir a segunda pirâmide
também seria o autor da esfinge. Também existe a possibilidade
de ter sido Kéops a mandar construí-la mas, segundo
os indícios, essa possibilidade é menor.
Os egiptólogos
entram num terreno ainda mais movediço quando se trata de
determinar a finalidade original do monumento, questão que
se tem mostrado tão ilusória como uma brisa do deserto.
O que era a esfinge afinal? Uma representação do deus
sol? Um objecto de culto e adoração? A poderosa guardiã
da necrópole de Gizé? Na ausência de algum texto
do tempo não pode haver nenhuma certeza quanto à sua
autêntica finalidade. Uma pista-chave é o facto da
esfinge encarar o exacto ponto cardeal do sol nascente. No entanto,
este facto, esta pista, em vez de ajudar a determinar a verdadeira
finalidade do monumento parece sempre ter contruibuido para aumentar
a confusão e a profusão de teorias mais ou menos académicas,
mais ou menos exotéricas.
Muitos egiptólogos
crêem que a esfinge foi desenhada para desempenhar um papel
específico dentro do complexo de Gizé. Mas estaria
a sua inclusão planeada desde o início? Ou será
possível que já existisse qualquer coisa no planalto,
qualquer coisa mais antiga do que as pirâmides, mais antiga
do que o próprio egipto, qualquer coisa que inspirou a criação
da Grande Esfinge? Quando os faraós da quarta dinastia do
Reino Antigo escolheram o planalto de Gizé para construir
as suas pirâmides e complexos funerários encontraram,
para Leste, uma escada de calcário. Aí foram os operários
talhar os blocos de calcário para a construção
dos novos edifícios deixando no rescaldo das operações
um enorme buraco, com uma grande massa rochosa por cortar no centro.
Muitos especialistas acreditam que a vida da esfinge se iniciou
sob a forma deste desperdício de rocha e que esse resto de
calcário não usado presumivelmente por questões
técnicas teria formas que sugeriam possibilidades monumentais.
No deserto a
Oeste do Nilo, existem muitas figuras esculpidas pelo vento. Uma
delas, pelo menos, tomou formas parecidas com as da esfinge o que
parece sugerir uma hipótese de que a esfinge teria nascido
devido aos efeitos da erosão dos ventos. A teoria que pode
sustentar isto é que na zona Este do planalto de Gizé
existem uma série de rochas salientes que foram esculpidas,
primeiro pela erosão das águas e pela erosão
do vento. A erosão das águas faz algumas áreas
da rocha parecerem que estão a sair do chão que o
vento depois desgasta dando novas formas à rocha. Estes processos
de erosão, por outro lado, fragilizam imenso a pedra suave
de calcário o que permite que facilmente se faça uma
escultura.
Erosão
A esfinge poderia
ter nascido assim. Poderia ter acontecido que os operários
e os seus dirigentes não tivessem usado um determinado bloco
de rocha com a forma de uma saliência com formas aerodinâmicas
por detrás por lhe acharem beleza e terem antes esculpido
alguns pontos dessa rocha para acentuarem a sua expressão.
Esta teoria implica que os egípcios apenas redesenharam humanamente
aquilo que já lá estava (a forma inicial) criada pelas
forças naturais. Na ausência de qualquer prova definitiva,
talvez nunca se consiga saber exactamente o que deu origem à
ideia da esfinge. O que se sabe em definitivo é que o monumento
tem sofrido uma severa erosão que começou à
milhares de anos e apresenta hoje em dia grandes estragos, mais
no corpo do que na cabeça. Têm sido avançadas
muitas explicações para isto, mas a verdadeira razão
parece residir na própria rocha.
A esfinge foi
esculpida a partir de rocha natural que existia no local, um pouco
como no Monte Rushmore nos Estados Unidos. A diferença fundamental
é que nos Estados Unidos, as cabeças foram esculpidas
no cimo de uma montanha e a rocha base é granito. A esfinge
é de calcário, uma rocha bastante frágil. Para
piorar as coisas, a esfinge, da sua base, ao topo da cabeça,
tem diferentes camadas de calcários e algumas dessas camadas
são muito mais sensíveis do que outras. Tudo parece
indicar que os egípcios já se tinham apercebido deste
facto e que as camadas da cabeça eram de melhor qualidade
para construção. Daí que os detalhes da escultura
da cabeça estejam tão bem preservados em comparação
com o resto do monumento: as sobrancelhas, os olhos e os lábios,
elementos originais da quarta dinastia. O corpo, por seu lado está
bastante mais maltratado pelo tempo onde são visiveis as
suas diferntes camadas que alternam rocha dura com rocha suave desde
a base ao pescoço. As camadas de calcário do corpo
são em conjunto consideradas muito mais suaves que a cabeça
e têm tendência para se deteriorarem em camadas finas
de flocos (num processo smelhante ao xisto mas bastante mais fino).
De qualquer
forma, os egípcios, fascinados pela mistura de espécies
(que aparece amplamente reflectida na sua arte) acabaram por construir
nestas suaves camadas de calcário um dos monumentos mais
misteriosos e fantásticos que se conhecem. Os egípcios
gostavam bastante de fazerem as suas próprias combinações
com as coisas e identificavam diferentes aspectos espirituais nas
coisas: animais, humanos, vegetais, etc. Acabavam por as combinar
nas suas representações em novas e únicas formas,
identificando animais pelo seu poder (como o leão e o touro,
por exemplo) e combinando alguns destes elementos com humanos por
forma a "transferir" algum desse poder para o humano,
particularmente para o rei. Uma característica dos reis egípcios
é que procuram com frequência mostrar o seu poder,
derrotar os seus inimigos. O aspecto mais ligado ao rei era o corpo
do leão pois era considerado um aspecto de poder máximo.
Em árabe a expressão que designa a esfinge quer dizer
"pai do terror", no sentido de algo impressionante (e
não tanto no sentido do horror).
Aspecto
Actualmente
a esfinge apresenta-se mutilada e danificada pelas intempéries
e dificilmente se sabe o aspecto que tinha quando era nova, apesar
de se especular que o toucado ou cabeleira seria mais cheio com
madeixas sobre os ombros, que uma cobra capelo - divindade protectora
de quem a usasse - lhe adornava a testa, que uma longa e divina
barbicha oblíqua, símbolo do deus-rei lhe pendia do
queixo e como toque final o criador da esfinge pode ter acrescentado
uma pequena surpresa ao calcário bruto: a pintura.
Não seria
nada de fabuloso o facto de a esfinge estar pintada pois era um
hábito egípcio que as esculturas, particularmente
as de calcário macio, fosse regra geral pintadas. A pele
e a face seriam principalmente pintadas de vermelho, elementos como
a barba e as sobrancelhas seriam azuis. Foram detectados elementos
de tintas vermelhas e pretas ao longo dos olhos que deveriam servir
para ajudar a definir bem os olhos e lhes dariam um aspecto bem
mais bonito e vívido. O amarelo provavelmente foi a escolha
para as bandas do toucado intercalados com azul. Seria assim um
toucado pintado com camadas de azul-amarelo. Este azul seria de
um tom semelhante ao do lápis-lazuli encontrado na máscara
de ouro de Tutankamon.
A esfinge começou
a deteriorar-se quase logo a seguir à partida dos operários
e houve, pelo menos, três grandes operações
de restauro ao longo do milénio seguinte. A mudança
da esfinge mudou mais ainda quando tanto a barba divina como a cobra
capelo acabaram por cair, provavelmente no decurso do império
novo, entre 1550 e 1070 a.C. Fragmentos de ambas foram descobertos
séculos depois. A esfinge, tal como o templo, não
seriam terminados em vida do seu criador e assim não existiu
nunca qualquer tipo de serviço religioso activo ligado a
estas construções. Como a maioria de todas as grandes
construções públicas daquele tempo, quando
o novo faraó foi coroado parou as obras e começou
um novo projecto.
Mas de todos
os boatos e lendas á volta da esfinge, os mais populares
têm a ver com o nariz... ou com a falta dele. Terá
havido um responsável por mutilar a esfinge, tirando-lhe
o nariz? Quando é que o monumento perdeu o nariz? Como terá
acontecido? Até hoje, o grande público continua a
culpar o homem errado. Olhando hoje a face da esfinge ficamos impressionados
com a expressividade dos olhos e o leve sorriso que possui. A pedra
foi-se desgastando de uma forma tão invulgar que o facto
de nos deslocarmos uns escassos metros para um lado ou para outro
provoca logo alterações no seu aspecto e expressão.
Uma coisa que ao princípio nem se repara, tal a sua expressividade,
é que lhe falta o nariz. Se falarmos com qualquer pessoa
no Egipto que não seja egiptólogo recolhemos quase
invariavelmente a mesma opinião: que as tropas de Napoleão
destruiram o nariz da esfinge ao a usarem como alvo em treino de
artilharia! Tal boato não consegue fazer frente a qualquer
análise do comportamento de Napoleão e do seu exército.
Trata-se de um homem tão interessado na monumentalidade egípcia
que arrastou com o seu exército dezenas dos mais variados
especialistas da época para os estudarem e registarem todos
os resultados desse estudo. Seja como fôr, as opiniões
populares incluem a destruição do nariz pelos Beduínos,
pelos Árabes...
Existe de facto
uma marca de incisões acima do topo do nariz e do seu lado
esquerdo que parecesse sugerir que alguém terá arrancado
o nariz ao monumento. A teoria do tiro ao alvo com canhões
cai logo por terra. Os indícios parecem sugerir que alguém
martelou duas enormes cunhas no nariz nas posições
já referidas de forma a conseguir arrancá-lo de uma
assentada. Ainda hoje, apesar de muitos boatos e teorias, ninguém
sabe quando, porquê e quem arrancou o nariz à esfinge.
O Reino Antigo terminou perto de 2150 a.C. e o planalto de Gizé
ficou praticamente ao abandono e, aos poucos, todo o conhecimento
sobre o criador, a finalidade e a importância da esfinge se
foram perdendo no tempo.
Os Árabes
conquistaram o Egipto no 640 da nossa era e renovaram o interesse
pelas riquezas perdidas dos faraós. Começaram a circular
histórias loucas acerca de câmaras secretas existentes
por baixo da esfinge. Os aventureiros árabes nada encontraram
mas os seus esforços inspiraram os futuros caçadores
de tesouros, arqueólogos e escritores "New Age".
Nunca nada foi encontrado em todas as escavações e
investigações efectuadas, além de dois tuneis,
um de 5 metros e outro de 15, ambos decididamente escavados por
caçadores de tesouros. Mais recentemente foi descoberto um
terceiro túnel, localizado na cauda da esfinge. É
o maior dos 3 túneis conhecidos. Neste túnel que entra
45 pés adentro da esfinge não fui nunca nada encontrado
além de alguns sapatos velhos. De qualquer forma descobriu-se
que se tratava de um túnel muito antigo. No entanto, as conclusões
foram de que este túnel teria sido escavado também
na antiguidade por pessoas curiosas e convencidas de que havia algo
por baixo da esfinge. Para abreviar, basta dizer que após
análises sísmicas inconclusivas se fizeram perfurações
de mais de 60 metros nos locais supeitos e que nunca foi encontrado
nada a não ser rocha sólida.
A partir de
1990, uma nova escavação da esfinge veio desafiar
toda a cronologia da história egípcia geralmente aceite.
Estalaram acesos debates entre os especialistas. Descobriu-se que
a esfinge estivera sujeita a chuvas o que pode sugerir que a esfinge
e outras construções do planalto sejam mais antigas
que 2.500 a.C. Se isto se provar verdade, isto significa que a esfinge
é anterior ao período da quarta dinastia e fica a
pergunta: quanto mais anterior? A análise partiu da observação
de que existem mais vestígios de erosão por água
no cabeça do que em qualquer outro lado da esfinge, mas isto
também pode querer significar apenas que o topo da rocha
onde foi esculpida a esfinge esteve desde sempre exposta aos elementos
(desde tempos muito anteriores à construção
do monumento e mesmo antes de existirem os egípcios). Outros
explicam que não são precisos milhares de anos de
chuva para que os padrões de erosão descobertos se
verifiquem e apontam outras explicações. Todas elas
convincentes e possíveis. Todas elas sujeitas a observações
contrárias e à falta de evidências e provas.
Por outro lado, para aqueles que pretendem que a esfinge seria mais
recente que 2.500 a.C. há a contrapor uma evidência:
não existia qualquer civilização ou grupos
de pessoas com a capacidade tecnológica e de organização
necessárias à construção da esfinge,
que é, claramente, uma construção do Império
Egípcio. Tudo somado, a esfinge data realmente de 2.500 a.C.
para a frente. A teoria da erosão da água e datação
anterior não colhe muitos adeptos.
Recentemente
foi feita mais uma descoberta de alguma importância para a
resolução de algumas questões relacionadas
com a esfinge. Descobriram-se vestígios de grandes complexos
de construção, estaleiros de construção
onde os operários vinham viver (pois trabalhariam aí
durante todo o dia) do tamanho de vários campos de futebol.
Esta descoberta e a análise dos indicios recolhidos na cerâmica,
nos esqueletos dos cemitérios envolventes, nas ferramentas
permite duas conclusões importantes: os trabalhadores que
construiram a esfinge eram de facto egípcios e, número
2, não eram escravos. O contexto humano das famílias
que trabalharam na esfinge, nas lesões ósseas provocadas
pelo esforço de trabalho pesado, de relações
entre as pessoas envolvidas na construção é
tocante pois indica um trabalho importante para toda uma comunidade.
Ao longo de
quase 5.000 anos a esfinge tem ocupado uma posição
de relevo no planalto de Gizé mas a 19 de Fevereiro de 1988,
caiu um pedaço do ombro direito do munomento. O Egipto ficou
quase em estado de choque com a pergunta "como pode tal coisa
acontecer à esfinge? Como podem deixar o monumento desgastar-se
desta forma?". Por todo o lado a pergunta mais frequente das
pessoas era "Como está a esfinge?". O movimento
social foi unânime e forte e o movimento para que se restaurasse
cientificamente a esfinge foi posto em movimento tendo em conta
a opinião de toda a gente, começando com os próprios
egípcios.
A partir de
1990, a esfinge foi submetida à mais ambiciosa e extensa
operação de restauro jamais tentada. Em Janeiro de
1998, a esfinge preservada e restaurada foi mostrada ao mundo numa
cerimónia de luzes e som. Nessa noite, os olhos do mundo
inteiro olhavam a esfinge e talvez tenha sido uma das melhores noites
da esfinge. No Egipto moderno a esfinge ainda desempenha um papel
muito importante. Apesar de ser difícil de perceber porquê
e de que maneira isso acontece a esfinge ainda é importante
para os egípcios em termos afectivos, emocionais e psicológicos.
Quase que podemos perguntar se algumas das pessoas que vivem mais
próximo da esfinge, de uma forma benevolente e carinhosa,
não a consideram ainda a representação de um
deus. Talvez este interessa subsista devido a tanto que não
se sabe. Por vezes, quando se conhece demasiado bem alguma coisa
perde-se o interesse e sente-se necessidade de encontrar outra coisa
como objecto dos nossos interesses, curiosidades e afectos.
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