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Em 10 de Maio de 1941, 500 bombardeiros alemães partem para
o ataque mais destrutivo da guerra a Londres, numa tentativa
desesperada de vergar a Inglaterra. Nessa mesma noite, um
avião solitário descola de Augsburg na mesma direcção. O piloto
quer resolver a situação à sua maneira. É o último dia da
sua vida que passa em liberdade. Para os fanáticos, esse homem
é, ainda hoje, um ídolo: Rudolf Hess.
"O meu pai disse várias vezes que via as acções destes jovens
de extrema-direita como um grande erro, pois prejudicavam
muito a Alemanha. Considerava-os loucos e não muito inteligentes"
(W. R. Hess, filho de Rudolf Hess).
"Meu Führer, vós sois a Alemanha! Quando agis é a nação que
age, quando julgais é o povo que julga!" (Discurso de Hess).
"Hess não se arrependia do seu passado, do que tentara fazer
e da sua carreira como nazi. Foi nazi até ao fim, disso não
há a menor dúvida. Acreditava firmemente que o que fizera
estava certo e, por isso, não me era muito simpático" (Letissier,
director da prisão de Spandau).
Dos lugares-tenentes de Hitler era o mais crédulo. "Hess era
um pouco louco, sempre o foi... e um romântico. Todos nós
sabíamos disso, sabíamos que ele tinha várias excentricidades,
que acreditava em curandeiros e coisas do género" (Reinhold
Spitzy, assessor de Ribbentrop). "O partido é Hitler mas Hitler
é a Alemanha tal como a Alemanha é Hitler. Viva Hitler!" (Discurso
de Hess).
Hess nasceu em Alexandria, no Egipto, fora do território alemão,
tal como o homem que o fascinará. A família Hess prospera
com o comércio colonial. O primogénito é educado como um príncipe.
O pai possui todas as virtudes do alemão residente no estrangeiro.
"A família Hess era muito nacionalista. O pai teve sempre
no escritório, por detrás da secretária, um grande quadro
do imperador Guilherme com o seu bigode e, no dia do seu aniversário
oferecia-se um copo de vinho e brindava-se ao imperador" (Stéfanie
Camola, amiga de juventude de Hess).
Hess passa uma juventude despreocupada. O pai vê no seu filho
o príncipe herdeiro, por isso Rudolf é enviado para um colégio
interno: deve preparar-se para se tornar um comerciante. Não
lhe é pedida a opinião. "Ele chegou a concluir o curso comercial
em Hamburgo. O pai teve um grande desgosto quando ele não
quis ser comerciante e seguiu o seu próprio caminho" (Frau
Pröhl, cunhada de Hess). Esse caminho leva-o à guerra. Em
Agosto de 1914, o povo deixa-se enlevar pelo sonho de unidade
nacional. Tal como a maioria dos homens, Rudolf Hess alista-se
como voluntário. Certo da vitória, o seu regimento - o 12
de Infantaria da Baviera, parte para a frente ocidental. Foi
uma guerra de trincheiras. O jovem tenente Hess via o mundo
como um imenso campo de batalha. Obediência militar como em
casa e segurança. Eufórico, escreve aos pais "...aldeias a
arder. Um espectáculo magnífico! A Guerra!". Um ferimento
grave não refreia o seu entusiasmo. Logo após a convalescença,
Hess alista-se na nova élite do Exército: a Força Aérea.
Mas é tarde demais para feitos heróicos. Antes de completar
a instrução a guerra termina, mas manter-se-á fiel à aviação
à sua maneira. Apesar da derrota, os militares que combateram
na frente gozam de grande prestígio. Mesmo sem ter concluído
o ensino secundário pode prosseguir estudos superiores. Na
Universidade de Munique, conhece alguém que muito o influenciará:
o general Haushofer, que combateu na Grande Guerra, ensina
Geopolítica e exige espaço vital a Leste. Mas ainda é cedo
para esta quimera. Munique, Novembro de 1918: para Hess a
revolução vermelha é uma traição à Alemanha. O bode expiatório
é rapidamente encontrado: "Até aí eu não era anti-semita mas
o que aconteceu a partir de 1918 foi de tal forma óbvio que
tive de me converter ao anti-semitismo" (Palavras de Hess).
Hess não é o único a pensar assim. Encontra abrigo no círculo
secreto mais selecto de Munique: a Sociedade Tüler, cujo quartel-general
era um hotel de luxo da cidade. O símbolo dessa sociedade
era a cruz gamada e o seu ideal a raça ariana. Os comunistas
liquidam a aristocrática direcção dessa sociedade secreta.
Hess escapa por pouco ao atentado. O domínio vermelho finda
em Maio de 1919. Forças paramilitares denominadas "Corpo Livre"
conquistam pela força o poder em Munique. O estudante Hess
adere ao movimento contrarevolucionário. É nesse ambiente
das cervejarias de Munique que encontra asilo político e conhece
uma segunda pessoa determinante na sua vida. "O novo império
alemão, que criamos em conjunto, pelo qual duramente lutamos
e de que veementemente exigimos a grandeza, a honra, o poder,
a glória e a justiça. Ámem!'' (Discurso de Hitler no NSDAP).
"Em 192O, quando o meu pai saiu da prisão, o Rudolf veio buscar
os meus irmãos e lembro-me de a mãe dele nos ter dito «há
um homem que tens de ouvir falar. É fantástico!»" (cunhada
de Hess, sra. Pröhl). Ao ouvir Adolf Hitler, Hess sente-se
chamado tal como muitos outros. Em 1920, adere de alma e coração
ao NSDAP (partido nacional-socialista alemão). É o militante
número 16 e recruta estudantes para as SA. Nas rixas em comícios
evidencia-se pela sua coragem, tal como em Novembro de 1923,
quando Hitler tenta tomar o poder na Baviera e falha. O culto
dos mortos em torno das vítimas do putsch transformar-se-á,
mais tarde, no grande ritual do regime. Sempre na primeira
fila, Rudolf Hess: "Tudo isto agradecemos a estes primeiros
homens pois se ninguém. tivesse lutado, então, pelo futuro
império não teria havido ninguém mais tarde vivo para o fazer"
(Discurso de Hess).
De momento, porém, os primeiros homens encontram-se atrás
das grades. "Landsberg não era bem. uma prisão. Era bastante
liberal, No meio havia uma mesa e eles sentavam-se frente
a frente. O guarda, quando o havia, dormitava a um canto e
eu sentava-me algures por ali e procurava passar o tempo"
(Sra. Pröhl, cunhada de Hess). Nesta prisão de luxo, Hess
transforma-se no secretário de Hitler. Com a sua ajuda nasce
o manifesto político do futuro ditador, Mein Kampf. Hess escreve
à namorada "sou-lhe mais dedicado do que nunca. Venero-o!".
Mais tarde, no congresso do partido, Hitler mostra que sabe
explorar o medo como ninguém. Sempre na sua sombra, o secretário.
Hess organiza a longa batalha pela conquista do eleitorado.
Contenta-se em permanecer em segundo plano para seguir o seu
amo. "Fidelidade, submissão absoluta. Hitler era o líder,
o mestre, o messias. E Hess era o discípulo que estava pronto
a fazer tudo pelo seu amo" (Egon Hanfstängel, filho do director
dos serviços de imprensa de Hitler). E não apenas em terra:
com o avião do partido distribui propaganda e dispersa, em
vôo razante, os comícios da esquerda. Estas façanhas valem-lhe
uma segunda condenação em tribunal.
A sua noiva, Ilse PröhI, foi uma das primeiras mulheres a
inscrever-se no partido. Mas Hess não tem pressa de se casar.
"Eram ambos reservados, sobretudo o meu cunhado. Além disso
deve ter hesitado em casar naquela altura. Viviam-se tempos
conturbados" (Frau PröhI, cunhada de Hess). É Hitler quem
o convence a dar o nó e é ele o seu padrinho de casamento.
Ilse tem que partilhar com ele o amor do seu marido.
Em Janeiro de 1933, Hess escreve de Berlim "Minha querida!
Estarei a sonhar? Estou sentado no gabinete do Chanceler,
na Chancelaria do Reich!". Hitler alcançou o seu objectivo.
O seu secretário ascende também à ribalta e é recompensado
pela sua dedicação. Hitler nomeia-o representante do Führer
no partido, um título promissor. "Se tivesse acontecido alguma
coisa a Hitler, se tivesse morrido de uma doença, num acidente
ou num atentado, creio que Hess não teria sido capaz de liderar
o movimento" (Egon Hanfstängel, filho do director dos serviços
de imprensa de Hitler). Hess encontrara o seu destino como
fiel servidor do seu amo.
Construir para a ditadura: na capital do movimento nasce,
sob a direcção do representante do Führer, a sede do partido,
um edifício megalómano. Por detrás da sua fachada monumental
esconde-se um aparelho que subjugará todo um povo. A obediência
cega é o alicerce do novo império e o partido a pedra angular
do poder de Hitler. Hess é o seu administrador leal e inofensivo.
"Ele era representante do Führer no partido nacional-socialista
que na altura já não tinha voz activa pois o Reich transformara-se,
pouco a pouco, num Reich autoritário, que Hitler governava
sem perguntar nada a ninguém. O partido era uma associação
onde nos reuníamos para cantar" (Letissier, funcionário da
prisão de Spandau). Uma associação com regras brutais cujos
membros não se limitam a cantar ... quem desafina é severamente
castigado.
O chefe do Estado-Maior das SA, quer demasiado poder em detrimento
do Exército do Reich. É executado. Hess justifica a sua morte
com a defesa dos interesses do Estado. "Tão verdadeira como
a lealdade dos homens das SA ao Führer, é a lealdade do Führer
aos homens das SA. O Führer castigou os culpados. A nossa
relação com as SA voltou a ser como antigamente" (Discurso
de Hess para as SA).
O representante do Führer também precisa de um secretário,
Martin Börman, um homem ambicioso e sem escrúpulos, um homem
para os trabalhos sujos que, insidiosamente, vai conquistando
cada vez mais poder. "Parecia um búfalo. Era baixo, corpulento,
muito autoritário, por vezes grosseiro, especialmente com
a mulher. Tanto quanto nos apercebemos até o HimmIer estava
contra ele, ninguém gostava dele" (Sra. Schrödel, secretária
de Hess).
Hess confia cada vez mais no seu secretário. Tal como Hitler,
esquiva-se ao cansativo trabalho de secretária e prefere fazer
de ministro dos Negócios Estrangeiros do partido. Na reunião
anual de alemães residentes no estrangeiro, em Estugarda,
Hess sente-se no seu ambiente. O seu fervor é tão genuíno
como fatal! "Tenho perante mim uma representação da grande
comunidade alemã que se expandiu para além das fronteiras
do nosso império. Ide e proclamai: a Alemanha está viva e
viverá porque existe um Adolf Hitler" (Discurso de Hess já
referido).
Mas o papel favorito de Hess é o de sumosacerdote do partido
presidindo a juramentos e à incorporação de novos jovens nas
fileiras do partido. "Hess dava muito boa imagem ao partido.
A sua integridade era inquestionável e, sob a capa dessa integridade,
cometeram-se enormes barbaridades" (Letissier). Barbaridades
das quais Hess tem conhecimento. Encobre o regime de terror
com uma linguagem burocrática: "A legislação nacional-socialista
corrigiu o excesso de influência estrangeira - digo corrigiu,
pois na Alemanha nacional-socialista os judeus não foram brutalmente
erradicados e a prova disso é que em Berlim, por exemplo,
quase 5O% dos médicos do sistema de previdência são não-arianos"
(Discurso de Hess).
No partido, Hess é o guardião e o apóstolo da moral. Na vida
privada é um modelo de virtude: não bebe, não fuma, nem sequer
dança. Em casa a vida corre tranquila. O baptizado do filho
é uma pequena festa com meia dúzia de convidados. O padrinho
é Adolf Hitler, que assina o livro de visitas da família.
É a noite de 9 de Novembro de 1938, a noite do pogrom. Hess
desconhece a ordem de incendiar as sinagogas, já deixou de
pertencer ao grupo dos íntimos de Hitler. "Foi no primeiro
aniversário do filho, na festa do baptizado. A família estava
toda reunida e já estávamos a jantar quando ele entrou, branco
como a cal. Toda a gente perguntou o que acontecera e eu percebi
como a situação lhe era penosa porque não tinha justificação
para o que se estava a passar" (Hildegard Fath, secretária
particular de Hess).
E no que sabe, colabora: a lei de segregação racial de Nuremberga
de 1935 foi assinada por ele, também a lei que proíbe médicas
e advogados judeus de desenvolverem a sua actividade e a lei
que introduz penas com castigos físicos para os judeus polacos.
"Ele foi cúmplice de tudo, foi um homem que nunca, sob nenhuma
forma, expressou uma crítica ao que se estava a passar. Pelo
contrário, foi um homem de uma lealdade canina ao Führer"
(Herr Hamburguer, membro do congresso do NSDAP).
Apesar de o representante ver cada vez menos o seu Führer,
quando Hitler escapa a um atentado Hess considera-o um instrumento
da vontade divina. "A providência sempre esteve com o Führer
e sempre virou o que os seus adversários intentaram contra
ele a seu favor e consequentemente a favor do povo alemão"
(Discurso de Hess). Hess sofre com a perda do favor de Hitler
e procura fugir da realidade. Aos olhos dos outros torna-se
cada vez mais estranho. "Rudolf hess tentou manter a cadeira
em equilíbrio e, ao fazê-lo, olhou fixamente para a cadeira.
Mas quando a largava, ela caía sempre para a frente ou para
trás. Eu achei aquilo muito estranho e perguntei ao meu pai
e ele disse-me «De facto, é um pouco estranho, o sr. Hess
acredita na telequinesia»" (Egon Hanfstängel, filho do director
dos serviços de imprensa de Hitler). E no entendimento com
a Inglaterra.
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