Biografia de Hess (continuação) Voltar à página anterior

(continuação)
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O duque de Windsor visita a Alemanha e para Hess, esse acontecimento constitui um sinal de aproximação dos dois povos germânicos não se apercebendo de que o amigo dos nazis não representa a opinião pública inglesa. Ao lado de Hitler recebe ex-combatentes britânicos, um convívio de veteranos da Grande Guerra.

Para o representante do Führer a amizade com a Inglaterra é uma convicção, para Hitler trata-se de um mero objectivo estratégico. Inicialmente, os ingleses entram no jogo. Nos acordos de Munique as potências ocidentais querem ganhar tempo e crêem poder apaziguar o ditador com concessões.

Hess é mantido afastado de todo este processo. Hitler já não leva a sério o seu excêntrico representante. "O meu cunhado trabalhava muito e muitas vezes sentia-se exausto. Mas combatia o cansaço da seguinte forma: depois de comer retirava-se para o quarto, na casa da Wilhelmstrasse, e estendia-se no chão. Chamava a isso relaxar. Ficava alideitado 15mn e a seguir levantava-se completamente revigorado" (Sra. Pröhl, cunhada de Hess).

Hess refugia-se, cada vez mais, no seu mundo, recusa-se a ver para onde o ditador conduz a Alemanha. Afastado da realidade, invoca o desejo de paz da Alemanha quando a guerra está já eminente: "O Führer tem afirmado repetidamente que a Alemanha deseja a paz e é com alegria que verificamos que este apelo é escutado noutros países, que combatentes de outras nações ergueram corajosos as suas vozes e estou convencido..." (Discurso de Hess).

Mas as vozes calam-se quando Hitler invade a Polónia. Blietzkrieg, vitória rápida e Hess fica maravilhado mas o senhor da guerra rodeia-se agora de outros favoritos. O terceiro homem do III Reich ía aos lanches da secção feminina da Juventude Hitleriana o que não deixava de ser degradante aos olhos de quem esperava uma conduta firme por parte de tão alta individualidade. Quando Hitler invade a França, Hess discorda, mas a capitulação é conseguida em apenas seis semanas. O Exército inglês, encurralado, é evacuado de Dunquerque. Hess está convencido de que Hitler o terá querido poupar. "Sempre ofereci a nossa amizade à Inglaterra mas a amizade não pode ser unilateral" (Discurso de Hitler).

A vitória a ocidente é um triunfo pessoal para Hitler, a partir daí julga-se infalível, o maior general de todos os tempos. Não aceita conselhos de ninguém, nem sequer do seu representante. Entretanto, este dedica-se à astrologia. Mas sentirá Hess que o momento de maior regozijo é também o ponto da maior viragem? Considera a guerra com a Inglaterra um equívoco e, em silêncio, procura uma solução. Churchill, contudo, não deseja fazer a paz com esta Alemanha. Os cálculos de Hitler não saem certos: nem bombas nem promessas conseguem persuadir os ingleses.

"Um dia Hess foi convidado para jantar e compareceu. Quase no final da refeição chegou o Dr. Dietrich, o chefe dos serviços de imprensa do Reich, e disse «Mein Führer, os ingleses não aceitam!». Claro que eu não sabia do que se tratava. Hitler respondeu «Nesse caso, que mais posso eu fazer? Não posso meter-me num avião e ir pedir-lhes de joelhos»" (Sr. Misch, soldado do Estado-Maior de Hitler).

Hitler não pode mas Hess, sim. o representante toma uma decisão solitária. Haushofer, seu antigo professor é o seu conselheiro. Hess procura estabelecer contacto com o inimigo mas os serviços secretos britânicos interceptam a mensagem. Agora quer voar sozinho para Inglaterra. Sem autorização de Hitler, um tal acto equivale a alta-traição. A decisão é tomada num passeio pela floresta com Haushofer. " ... então ditou-me o discurso. Enquanto escrevia não parava de pensar onde é que ele iria fazer aquele discurso, como é que ele se iria encontrar com oficiais ingleses. Mas depois fez-me prometer, sob palavra de honra, que não falaria a ninguém daquele discurso" (Sra. Schrödel, secretária de Hess).

Na fábrica de Messerschmitt, em Augsburg, começa a fazer vôos experimentais. É precisamente aqui, a 1 de Maio de 1941, que faz o seu último discurso: "Com efeitos a partir de hoje o Führer nomeou pioneiro do trabalho o nosso correlegionário o Prof. Dr. Willy Messerschmitt". Ninguém suspeita de nada. "Quando o representante do Führer diz que quer provar-lhe que está apto para combater na Força Aérea e que, para isso, quer fazer vôos mais longos... «concerteza sr. ministro». Não havia razão para não tomarmos conhecimento disso. Tomámos conhecimento disso e foi o nosso f im" (Piloto de testes da Messerschimitt).

A 4 de Maio, Hess está ainda em Berlim quando faz a sua última aparição pública. Nessa altura Hitler só pensa numa coisa: a preparação da campanha militar contra a União Soviética. Quer arriscar uma guerra em duas frentes. A seguir reune-se com o seu representante na Chancelaria onde a última conversa a sós dura 4 horas. Muito se tem especulado sobre o teor dessa conversa mas só uma coisa é certa: Hess pensava agir de acordo com a vontade de Hitler.

"Na altura fazia-se política como se brinca aos índios. Digo sempre que aquilo me lembrava dois filmes de aventuras, não era uma política diplomática moderna como a de um Taillerand ou de um Bismark".

1O de Maio de 1941, 17h45. Hess descola de Augsburg. Está lua cheia e, segundo um astrólogo, a conjuntura astral é favorável. O representante preparou a viagem cuidadosamente. Às 22h15 sobrevoa a costa escocesa. O seu destino é a mansão de campo do duque de Hamilton, a quem Hess conhecera superficialmente em 1936. Espera encontrar nele o interlocutor certo. Ironia do destino: Hamilton dirije a defesa AA escocesa. À sua ordem descolam caças para abater o intruso mas Hess tem sorte e nas terras altas, a Norte da ilha, a defesa AA ainda é débil e Hess consegue escapar por pouco aos seus perseguidores.

"Na altura não podíamos ter feito mais nada. Ele voava demasiado alto e demasiado rápido mas pensámos que um só avião não iria fazer muitos estragos" (Sandy Johnstone, defesa AA escocesa). A apenas algumas milhas do seu objectivo, Hess salta de pára-quedas para o desconhecido.

No Quartel-General do regime ninguém suspeita da acção do representante até que chegam os seus assessores trazendo uma carta de despedida. Hitler fica estupefacto. "«Como pôde o Hess fazer-me isto?» Foi uma cena inenarrável ... Que fazer? Ninguém sabia. O que vai acontecer, o que se está a passar. Ninguém sabia. Toda a gente aguardava a notícia: teria Hess chegado ao seu destino ou não?".

O avião de Hess despenha-se numa colina a Sul de Glasgow. O piloto aterra junto de uma quinta, é capturado pelas milícias e preso na sede do núcleo de escuteiros. No dia seguinte, a destruição em Londres, provocada pelo ataque aéreo alemão é enorme, sendo o parlamento também atingido. Churchill só à noite é informado da captura do misterioso piloto alemão.

No Q-G alemão procura-se minímizar as consequências do acto isolado de Hess. Que iriam pensar os aliados (Japão e Itália)? Hitler hesita durante algum tempo, depois age. Com a colaboração de Börmann redige um comunicado a difundir pela rádio. "No Sábado, dia 1O de Maio, cerca das 18h, o nosso correlegionário Hess descolou de Augsburg para uma viagem da qual, até hoje, ainda não regressou. Infelizmente uma carta que deixou revela, pela sua confusão, indícios de um transtorno mental que faz temer que tenha sido vítima de alucinações. O Füehrer ordenou imediatamente a detenção dos seus assessores". Nessa carta de despedida Hess tinha pedido expressamente para que não houvessem represálias sobre os seus funcionários visto estes não saberem de nada.

Hess é levado para a Torre de Londres. Para o governo inglês o seu acto é extremamente inoportuno. Churchill tem uma suspeita de que os ingleses negoceiem com a Alemanha nazi. Estaline ainda é aliado de Hitler e ignora os avisos de um ataque alemão. O vôo de Hess aviva a sua desconfiança em relação à Inglaterra. Estaline desconfia do país errado...

A operação Barba Rossa põe um ponto final no caso Hess. Finalmente Hitler lança a campanha militar que sempre desejou, a guerra de extermínio por espaço vital a Leste. O vôo do representante não abre brechas na cúpula nazi. Martin Börmann passa a ser o homem de confiança de Hitler que, no entanto, não volta a nomear qualquer representante. "Hitler disse que, se houvesse um acordo de paz, exigiria a extradição de Hess e que ele seria acusado de alta traição e executado".

Uma carta de despedida, endereçada a Hitler, do cativeiro: Hess reconhece que errou. Medita sobre as suas razões. Faz a primeira de três tentativas de suicídio.

Quatro anos depois, a Alemanha é um país devastado. Em Nuremberga, a cidade onde se realizavam os congressos do partido, os aliados julgam os sequazes de Hitler. Para Hess, o regresso é um choque e interiormente continua a viver no mundo que deixou quando descolou de Augsburg.

Hess é acusado em todos os pontos do processo apesar de ter deixado a Alemanha antes do genocídio dos judeus e da invasão da Rússia. Hess finge ter perdido a memória. Um homem doente? Consequência do soro da verdade durante o cativeiro ou sintoma de demência, após duas semanas de julgamento Hess volta a surpreender: "Para evitar que seja declarado incapaz de me defender, esclareço o tribunal do seguinte: as razões de simulação de amnésia são de ordem táctica" (Declaração de Hess aos juizes de Nuremberga).

O acusador soviético pede a pena de morte para o representante que acaba por ser condenado a prisão perpétua. "Olhando para trás, a pena parece, talvez demasiado severa" (Dr. Jackson, acusador dos USA em Nuremberga). A alegação final de Hess é uma profissão de fé sem sombra de arrependimento: "Foi-me permitido colaborar durante muitos anos com o filho mais ilustre que o meu povo produziu em toda a sua história milenar. Mesmo que pudesse, não quereria apagar esses anos da minha vida. Sinto-me feliz por saber que cumpri o meu dever para com o meu povo, o meu dever como alemão, como nacional-socialista, como leal seguidor do meu Führer. Não me arrependo de nada" (Alegação final de Hess).

Na prisão de Spandau fecha-se, cada vez mais, à realidade. É isolado dos outros presos. Por fim, os seus outros correlegionários são libertados em 1966: Waldür von Schirass, líder da juventude do Reich e Albert Speer, ministro do Armamento de Hitler. A partir de então, Hess é o último dos réus de Nuremberga em Spandau. Representante de todos os outros?.

"Por ocasião da libertação de Schirass e Speer, fizemos uma exposição, em 1 de Outubro de 1966, que enviámos aos chefes-de-Estado das quatro potências administrantes, ao papa e a várias outras personalidades da vida pública. Ele teve conhecimento da exposição e enviou uma carta muito bem escrita em que dizia «Constou-me que fizeram um pedido de indulto. Notem bem uma coisa: não quero ter no meu colete uma nódoa como a do barão von Stein, de quem se sabe que enviou um pedido de indulto a Napoleão. A minha honra é-me mais cara que a liberdade»" (filho de Hess).

Só em 1969 Hess permite que a sua família o visite. Continua a dedicar-se ao estudo dos corpos celestes. Sobre o seu vôo não fala. "Para o final arranjei-lhe uma cama de hospital mais moderna, uma das articuladas para ele se poder sentar confortável, mais baixa que a que ele tinha antes, o que se tornava mais fácil para subir e descer que tinha uns suportes para manter a comida quente. Ele comia bastante, uma quantidade tremenda de comida, para uma pessoa daquela idade. Ele é que escolhia a comida, tinha cozinheiros próprios que lha preparavam, sempre sem sal (isso fazia parte da sua hipocondria). A sua ocupação era ver televisão, especialmente ténis e futebol" (Guarda britânico na prisão de Spandau).

A prisão tinha render da guarda uma vez por mês. A União Soviética inviabiliza a libertação do preso mais caro do mundo. Para este país, a prisão é uma testa de ponte em Berlim ocidental. Hess transforma-se no pomo da discórdia. Vozes de diversos quadrantes intervêm a favor da sua libertação. "Trata-se de um velho de 92 anos que já não tem aspirações terrenas. A que sentimento, que valor humano, aproveitará a execução desta pena? No tempo de Hitler não havia clemência. E hoje?" (Weizsäcker, presidente da RFA).

Não para o representante de Hitler. Só com a era Gorbatchev, a quarta potência vencedora se dispõe a dialogar, no preciso momento em que a vontade de viver de Hess a abandona. "Durante o tempo em que o acompanhei, Hess geralmente estava sempre a pedir coisas e queixava-se de vários achaques e sintomas como dores, estômago perturbado. E, nos 3 a 4 meses antes do seu suicídio deixou de se queixar" (Gen. Branck, médico do exército dos USA em Spandau). Hess suicida-se na sua cela, junto ao caramanchão com um cabo eléctrico em volta do pescoço.

A família viria a reclamar o corpo. Está convencida de que Hess foi assassinado e encontra um motivo. "Porque motivo o mataram os ingleses? É a seguinte: as potências ocidentais já há uns 2O anos antes da sua morte - por vezes oficialmente, outras secretamente, tenho cartas sobre o assunto em que o dizem claramente - afirmavam estar dispostas a libertar Rudolf Hess, por razões humanitárias, sem condições. Diziam-no porque sabiam que os russos vetariam a libertação e, de repente, deixaram de poder contar com o veto russo" (Filho de Hess).

Mesmo na morte, o representante de Hitler constitui um enigma. Existe porém uma carta de despedida: "Escrita alguns minutos antes da minha morte. Agradeço-vos a todos". Para a família esta carta é uma fraude. "É o conteúdo, a forma ... O meu sogro sempre se preocupou muito com a forma. Não tem data. Contém uma fórmula de despedida que deixou de utilizar quando o filho casou e há um ponto que tenho de mencionar: não fala uma única vez nos netos por quem tinha grande afecto. Ele não deixaria de se despedir dos netos" (Andrea Hess, nora de Hess).

Uma análise pericial à carta não encontra quaisquer indícios de falsificação. A família manda autopsiar o corpo pela segunda vez. O resultado contradiz, nalguns pontos, a autópsia realizada pelos aliados e transforma-se no argumento mais forte da teoria do assassinato. Mas os médicos da segunda autópsia afirmam não estarem em condições de provar que não fora suicídio.

Existe também uma pretensa testemunha. "Ele conta que, sendo o mês dos americanos, dois membros das SAS, semelhante aos nossos GSG9, mas mais brutal, foram enviados à prisão fardados. Esperaram o meu pai no jardim, na tarde de 17 de Maio e estrangularam-no no caramanchão da sua cela" (Filho de Hess). A testemunha dá, então, conta de dois desconhecidos envergando uniformes americanos. Encontrámos um deles: "As pessoas a que essa testemunha se refere presumo que sejam eu próprio e o meu pessoal médico que ele não conhecia, obviamente, pois nunca havíamos tido contacto com ele. Éramos as duas únicas pessoas na cela quando ele apareceu" (Soldado Ahuja, dos USA).

Até hoje continuam a não existir provas de assassinato mas o caso ainda não está encerrado. Há quem diga que é uma boa história para se transformar num mistério pois tem um bom gancho a que se agarrar, além de ser sobre factos que toda a gente conhece.

No final, o funeral tem que ser adiado pois radicais de direita ocupam o cemitério. O ideal a que se manteve fiel até ao fim não é sepultado com ele.


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