Acerca
do Édito
Apesar das perseguições iniciais, no ínicio do século
IV da nossa era o cristianismo é já uma força social
determinante no seio do Império Romano. Devido aos problemas
que o Império enfrenta e à existência de comunidades
cristãs externas, implantadas desde a época apostólica,
o cristianismo alastra a todas as classes sociais iniciando
um processo de implantação que se revelaria inexorável.
Não só os sacerdotes e apologetas contribuem para isso.
Trata-se mais do enlevo da sociedade romana em doutrinas
social e espiritualmente mais dinâmicas e da constatação
do fracasso das anteriores políticas religiosas e sociais
que propriamente da assimilação racional das ideias
de alguns doutrinadores.
O imperador Constantino está à cabeça do Império. Trata-se
de um governante educado pelos pais segundo padrões
de valores bastante mais tolerantes que os seus pares
dos primeiros anos do século.
Quando a força da conjuntura o exige, Constantino não
encontra dificuldades em tentar assimilar o cristianismo
na esfera do poder da águia romana.
O Édito de Milão (esta cidade possuía já uma importante
comunidade cristã) vem na sequência da constatação de
que a crença monoteística estava já de tal forma espalhada
pela população do império que a única forma de Roma
sobreviver aos Romanos seria assumir os factos consumados.
No entanto, a estrutura do Poder em Roma não estava
preparada para a cohabitação com a concepção cristã
do mundo. Desta tolerância inicial iria resultar uma
nova concepção da religião: uma vez que a religião cristã
era incompatível nos seus valores com aqueles do Estado,
devido à sua origem específica e à sua finalidade última,
acaba por ser apreendida uma nova fórmula na percepção
da religião. A de que esta deve ficar fora do controlo
do Estado.
Para resolver este problema político da religião o império
acaba por tentar controlar o fenómeno através da assimilação
e dignificação da religião com a finalidade do Estado.
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ÉDITO
DE MILÃO
Pois
que eu, Constantino Augusto, e eu, Licínio Augusto, viemos
sob bons auspícios a Milão e aqui tratamos de tudo o que
respeitava ao interesse e ao bem público, entre as outras
coisas que nos pareciam dever ser úteis a todos sob muitos
aspectos, decidimos em primeiro lugar e antes de tudo, emitir
regras destinadas a assegurar o respeito e a honra da divindade,
isto é, decidimos conceder aos cristãos e a todos os outros
a livre escolha de seguir a religião que quisessem, de tal
modo que tudo o que existe de divindade e de poder celeste
nos possa ser favorável, a nós e a todos os que vivem sob
a nossa autoridade.
Assim
pois, num salutar e rectíssimo propósito, decidimos que
a nossa vontade é que não seja recusada absolutamente a
ninguém a liberdade de seguir e de escolher a prática ou
a religião dos cristãos, e que a cada um seja concedida
a liberdade de dar a sua convicta adesão à religião que
considere útil para si, de tal forma que a divindade possa
conceder-nos em todas as ocasiões a sua habitual providência
e a sua benevolência.
Assim,
bem foi que nos aprouvesse emitir esta decisão, a fim de
que, depois de completamente suprimidas as disposições anteriormente
dirigidas à Tua Devoção a propósito dos cristãos, fosse
abolido o que se afigurasse absolutamente injusto e incompatível
com a nossa clemência, e que agora, cada um dos que, livre
e claramente, tomaram a livre determinação de praticar a
religião dos cristãos, a pratique sem de algum modo ser
prejudicado. Eis o que nós decidimos comunicar integralmente
à Tua Solicitude, a fim de que saibas que demos um poder
livre e sem entraves aos referidos cristãos de praticarem
a sua religião. Posto que a Tua Devoção compreende que nós
lhes atribuímos esta liberdade sem qualquer restrição, ela
compreende igualemente que também aos outros que o queiram
é concedida a possibilidade de seguir a sua prática e a
sua religião, o que evidentemente é favorável para a tranquilidade
dos nossos tempos: deste modo, cada um tem a possibilidade
de escolher e praticar a religião que quer. Isto foi decidido
por nós de forma que não parecesse que limitávamos a alguém
qualquer rito ou religião.
E além
disso, eis o que nós decidimos no que respeita aos cristãos.
Os seus locais, onde antes costumavam reunir-se e a respeito
dos quais, numa disposição dirigida anteriormente à Tua
Devoção, uma outra regra tinha sido estabelecida em momento
anterior, se tiverem sido comprados, pelo nosso fisco ou
por quem quer que fosse, que os devolvam aos referidos cristãos
sem pagamento e sem reclamar nenhuma compensação, sem negligência
nem ambiguidade. E se alguns receberam estes locais como
dádiva, que eles os restituam com a maior brevidade aos
referidos cristãos. Assim, se os adquirentes destes locais
ou os que os receberam gratuitamente reclamarem alguma coisa
à nossa benevolência, que eles se apresentem ao tribunal
do magistrado local, a fim de que, pela nossa generosidade,
lhes seja concedida uma compensação. Todos estes bens deverão
ser devolvidos à comunidade dos cristãos pela tua diligência
sem qualquer delonga e integralmente.
E como
os referidos cristãos não possuíam somente os locais de
reunião, mas eram tidos como proprietários também de outros
locais que não lhes pertenciam a título individual, mas
ao domínio da sua comunidade, isto é, à comunidade dos cristãos,
tu determinarás que todos estes bens, segundo a lei que
citamos atrás, sejam completamente devolvidos, sem qualquer
contestação, aos referidos cristãos, isto é, à sua comunidade
e assembleia. As aludidas disposições devem ser ostensivamente
observadas, de tal forma que aqueles que os restituírem
sem receber o preço, como atrás dissemos, possam contar
com uma indemnização, em virtude da nossa generosidade.
Por tudo isso, deves conceder à aludida comunidade de cristãos
o zelo mais eficaz, a fim de que a nossa determinação seja
cumprida o mais rapidamente possível, para que também esta
matéria contribua pela nossa benevolência para a tranquilidade
comum e pública.
Efectivamente,
por esta disposição, conforme foi dito acima, a solicitude
divina para connosco, já demonstrada em numerosas circunstâncias,
permanecerá para sempre. E, a fim de que os termos da nossa
presente lei e da nossa generosidade possam ser levados
ao conhecimento de todos, é conveniente que o que nós escrevemos
seja afixado por ordem tua, seja publicado em toda a parte
e chegue ao conhecimento de todos, por forma que a leidevida
à nossa generosidade não possa ser ignorada por ninguém.
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