Biografia de Göbbels (continuação) Voltar à página anterior

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"Será melhor que se acautelem! Um dia a nossa paciência esgota-se e calaremos a boca mentirosa dos judeus" (Discurso de Goebbels). Um chefe de Estado não pode prescindir de um agitador deste calibre. Hitler precisa também do seu tambor para predispor o povo para a guerra. Mas não põe Goebbels ao corrente dos seus planos de ataque. Numa altura em que, em Berlim, se passeia a maior parada militar de todos os tempos, Goebbels é mandado ao estrangeiro como emissário de paz: "Estou convencido de que é preciso manter a paz na Europa e estou também convencido do seguinte: se houvesse guerra seria uma grande desgraça para o mundo. No fim só traria grandes prejuízos e sofrimentos quer a vencedores, quer a vencidos" (entrevista concedida).

Goebbels não parece sofrer muito com o início da guerra. É promovido a terceira figura do regime. Enquanto os exércitos de Hitler esmagam a Polónia, Goebbels tem a seu cargo uma outra missão: a guerra das palavras. "É isto que acontece quando a Força Aérea alemã ataca! Ela sabe atingir os mais culpados entre os culpados" (televisão alemã, acerca de um bombardeamento sobre a Polónia). Mas antes atinge os inocentes.

Numa viagem à Polónia procura a justificação do seu racismo: "2 de Novembro de 1939. Passei pelo Ghetto. Saímos do carro e inspeccionámos tudo cuidadosamente. É indescritível! Aquilo não são pessoas, são animais! Não se trata de uma missão humanitária, mas sim cirúrgica. Há que fazer aqui cortes e cortes bastante radicais" (Diário de Goebbels).

"No final de 1939 ou em 1940. vimos uma séríe de documentários sobre os judeus polacos, com rostos de judeus. E, quando se acendeu a luz, após a sua exibição, ele disse que não podia conceber que aqueles judeus voltassem para a Alemanha se perdêssemos a guerra. «Eu e a minha mulher já falámos sobre o assunto. Se isso acontecer, suicidamo-nos». Insultava-os, dizia-nos «Olhem para aquilo! Têm mesmo cara de criminosos!» Ficava exaltadíssimo".

Os filmes de Goebbels incitam os ânimos contra esta gente. Eis o retrato do inimigo: as crianças judias pobres, sofrendo as agruras da fome e da violência. Os heróis: a família nova-rica de Goebbels.

Rommel visitava então a família Goebbels. Um general moderno, um homem que subiu a pulso tal como ele. Goebbels transforma Rommel num ídolo e as vitórias deste acabam por ser a melhor das propagandas. Com elas desvanece-se o cepticismo de Goebbels relativametne à guerra em duas frentes. Para mais a fé no génio de Hitler, a devoção ao Führer e o magnetismo do mesmo,dissipa todas as dúvidas. Por esta altura, o civil que não foi à tropa, Goebbels, assume o papel de general e torna-se mais militarista que os militares. Procura sofregamente compensar com a Segunda Guerra Mundial o que lhe havia sido negado na Primeira.

A sua grande hora soa em Junho de 1941. Desta vez está informado. Desta vez preparou um hino, desta vez pode declarar a guerra à União Soviética, uma guerra de destruição total apresentada como um combate pela liberdade. Quando a mentira convence, a verdade é um estorvo: "A acção resoluta do Führer antecipou-se ao ataque aniquilador dos mongóis" (comentário radiofónico). Os documentários da época revelam o verdadeiro rosto do Dr. Goebbels, um homem autoritário que pode agora descarregar livremente todas as suas frustrações. "Enquanto o nacional-socialismo quer implementar uma nova concepçâo de cultura europeia, o bolchevismo é a declaração de guerra dos seres inferiores, liderados pelos judeus contra a própria cultura" (Discurso de Goebbels).

Este homem mata com palavras. Mesmo à vista dos maiores sofrimentos, não sente qualquer compaixão. A coberto da guerra, apressa-se a pôr em execução o plano de extermínio dos judeus. "20 de Agosto de 1941. A partir deste momento vou começar a trabalhar na questão dos judeus. Dado que o Führer me autorizou a decretar que os judeus usem um distintivo, creio que isso permitirá pôr em prática rapidamente e sem necessidade de prescrições legais, as medidas que se impuserem de acordo com a evolução da situação. Se todos os judeus usarem este distintivo, em breve deixaremos de os ver no centro das nossas cidades. Serão expulsos da vida pública" (Diário de Goebbels).

"É claro que eu trazia sempre o queixo bem erguido, como que a dizer «vejam bem como é uma judia!». Fazia um grande esforço, até porque algumas pessoas me olhavam com ódio. Também havia quem me olhasse com simpatia e até que, no meio da confusão do eléctrico ou do metropolitano, me passasse furtivamente coisas a que eu, como judia, não tinha acesso. Era um estigma terrível que nos fazia lembrar a Idade Média, quando também obrigaram os judeus a usar a estrela. Acho que isso teve também muito a ver com a deformidade de Goebbels. Ele também dava nas vistas" (Testemunho de uma judia que vivia em Berlim).

"Teria sido insensato explicar aos judeus, antes de tomarmos o poder, o que pretendíamos fazer. Foi muito melhor assim! Foi muito melhor que, pelo menos uma parte dos judeus pensasse «Não! As coisas nunca chegarão a esse ponto. Eles falam muito mas vamos ver o que vão fazer»" (Discurso de Goebbels). Goebbels sabe muito bem qual será o destino dos judeus. Está ao corrente dos planos de Hitler e subscreve-os. "27 de Março de 1942. 0 governo geral determinou que os judeus fossem enviados para Leste. Aqui é aplicado um processo bastante bárbaro que não posso descrever em pormenor. Dos judeus, pouco restará. Em traços gerais, 60% devem ser liquidados enquanto apenas 40% poderão ser utilizados como força de trabalho. 0 seu castigo será severo mas inteiramente merecido"(Diário de Goebbels). "Não sei se ele queria transformar os judeus em cidadãos de segunda... Queria esmagá-los com as suas palavras".

Quanto mais a situação militar se inverte mais as palavras substituem a falta de eficácia das armas. Em Estalinegrado a palavra de ordem é espírito de sacrifício. Agora a mensagem é clara: "Os judeus são um foco de infecção. Uma doença contagiosa! Mas a Alemanha não tenciona submeter-se a esta ameaça. Pelo contrário, combatê-la-á a tempo e, se necessário fôr, através do extermínio completo e radical dos judeus" (Discurso do Palácio dos Desportos).

No Palácio dos Desportos, Goebbels diz quase toda a verdade, extermínio dos judeus. Quer plebiscitar a guerra total até na rectaguarda. Esse discurso é o discurso de todos os discursos, cuidadosamente estudado. É uma lição de como se leva o povo à loucura.

"Os ingleses pensam que o povo alemão está contra a guerra total. Eles desejam a capitulação, não a guerra total, dizem eles. Nunca!" (Discurso do Palácio dos Desportos).

"Entretanto, os ânimos tinham sido acirrados com o que acontecera a mulheres e crianças inocentes, o bombardeamento do nosso país, etc. É claro que isso enfureceu a assistência e, quando ele fez as peguntas, a gritaria começou. As pessoas ficaram fora de si" (Testemunha presente no Palácio dos Desportos).

"Quereis a guerra total?" (Goebbels, idem). "Estávamos horrorizados! Conseguír pôr o palácio dos desportos a rebentar pelas costuras num tal delírio com aquela pergunta «Quereis a guerra total?» e a multidão a gritar «Sim! Sim!». Foi um momento medonho. Ficámos petrificados e uma das pessoas que estavam connosco disse «aplaudam, têm de aplaudir»" (Testemunha presente no Palácio dos Desportos). "Quereis a guerra, se necessário, mais total e radical do que hoje podemos imaginar?" (Goebbels, idem). "Eu não conseguia conceber o que seria uma guerra ainda mais total. Será que tínhamos que deixar de dormir ou de comer? E que todos os homens morreriam bem como a população civil? Como era possível ir mais além? A situação já era terrível!" (Testemunha presente no Palácio dos Desportos). "Ergue-te povo! A tempestade vai rebentar!" (Goebbels, idem). Nessa noite Goebbels comenta: "Se lhes tivesse ordenado que se atirassem de um precipício tê-lo-iam feito".

A população não tardará a saber o que significa guerra total. Ninguém poderá furtar-se à chamada. Há muito que a tempestade de fogo regressou ao lugar onde foi atiçada. As cidades alemãs agonizam, mas Goebbels redobra de vigor. A crise é a sua conjuntura. Goebbels visita o combate aos fogos. 0 incendiário no local do crime. Ele sabe como manter a moral da população. Já não tem vitórias para oferecer, apenas palavras de encorajamento. Apesar de tudo, atreve-se a aparecer, ao contrário de Hitler. Exteriormente aparenta a esperança num milagre mas no seu íntimo dúvida que a guerra ainda possa ser ganha. Para ele, a guerra ainda não é suficientemente total. Enquanto isso, o comandante-supremo continua a ignorar os seus estrategos.

"A influência de Goebbels era mínima. Vi-o entrar centenas de vezes cheio de planos no quartel-general do Führer e sair com o rabo entre as pernas. 0 que acontece é que ele conseguia superar isso" (Heinrich Hunke). Após o atentado contra Hitler, esta situação altera-se rapidamente: em Berlim, o lugar-tenente reprimiu duramente o golpe de Estado o que lhe assegura agora a preferência do seu amo. Na qualidade de plenipotenciário do Reich para a mobilização total, Goebbels manda passar a Alemanha a pente-fino para enviar ainda mais gente para a guerra. Missão cumprida pouco antes do fim. 0 último recrutamento para salvar um império sangrento: alguns velhos e uns pouco mais que crianças. E finalmente também ele pode ser soldado. Mas o arsenal está vazio.

Em vez de armas secretas, mentiras desesperadas. "Todas as divisões que já participaram em pequenas ofensivas e que participarão, nas próximas semanas, em grandes ofensivas, encararão o combate como uma missão divina. De todas as gargantas irromperá um brado de vingança que fará empalidecer o inimigo" (Discurso de Goebbels). "A minha convicção de que travávamos uma guerra que iriamos vencer foi-se sempre fortalecendo pois ele afirmava-o como outros antes o haviam feito na Juventude Hitleriana e noutras reuniões. Ele assegurou-nos que iriamos vencer e, se ele o dizia, era porque era verdade. Em certos aspectos éramos muito crédulos" (membro da Juventude Hítleriana). Até ao fim palavras de encorajamento. Visita a frente em Lauban: "Esperávamos um discurso à Goebbels mas ele era tão inteligente que nunca falava em vitória final. Atreveu-se a ir lá dizer «Têm de se sacrificar. Tudo depende do vosso esforço»" (Antigo combatente).

Por esta altura já a mentira se serve da verdade para ser mais convinvente. Esta ilusão seduz sobretudo aqueles que nunca ouviram outra coisa e explora-se cruelmente a sua confiança. "Este povo não será derrotado, não será submetido. Homens, mulheres e crianças, todos são heróis" (Discurso de Goebbels). "Mesmo nos últimos momentos continua a incitar a juventude ao combate, a enviá-la para a morte, era realmente um monstro e foi co-responsável por tudo o que aconteceu. Se não tivesse manipulado a propaganda tão habilmente e não tivesse enganado as pessoas como enganou, talvez algumas pessoas abríssem os olhos mais cedo. Mas a derrota foi-nos pintada com as cores mais negras: «o povo alemão será exterminado» ou «seremos feitos escravos», «passaremos a ser servos dos russos ou dos americanos ou dos ingleses», «não teremos direito à existência, portanto temos de nos defender». Eram isto que nos diziam. Foi assim que nos mantiveram obedientes" (Franz Neoileter). A derrocada total e ele prolonga-a com palavras: "Preferimos trabalhar até que as mãos sangrem e lutar até à morte a deixar que o inimígo ocupe o nosso país e nos imponha a sua vontade".

"Assim, Berlim transformou-se hoje numa cidade da frente e é às suas portas que o ataque dos mongóis será detido. Provocadores e estrangeiros hostis deverão ser detidos de imediato ou, melhor ainda, neutralizados. Eu e os meus colaboradores permaneceremos em Berlim. A minha família também está em Berlim e em Berlim permanecerá" (Discursos de Goebbels). Enquanto os soldados de Estaline se encontram no centro de Berlim, Goebbels, no bunker de Hitler, está mais próximo do seu amo do que nunca e também anseia segui-lo na morte. "Goebbels entrou de repente e eu fiquei perturbada com o seu aspecto. Estava branco como a cal, com lágrimas nos olhos. Aparentemente não tinha mais ninguém com quem desabafar e disse-me: «Frau Junge, o Führer quer que o deixe, que eu fique em Berlim e que assuma uma função no futuro governo, mas eu não posso!». Estava completamente desesperado, porque se considerava o mais fiel dos apoiantes de Hitler e achava que não havia maior prova de fidelidade que morrer com ele" (Traudl Junge).

As consequências são trágicas. Goebbels traz os seus filhos do seu lar idílico para o bunker. "Claro que houve cenas dramáticas na cave quando se soube que as crianças também ficavam. Veio pessoal da cozinha, do escritório, e todos pediram a Frau Goebbels de joelhos pelas crianças (mas nessa altura Magda Goebbels vivia sob um ascendente do seu marido que punha e dispunha sobre ela da maneira que entendia). E depois chegou o momento em que ela os arranjou para morrer. Estavam todos vestidos de branco, bem penteados e depois foram-se embora". De repente Goebbels esfregou as mãos. Tinha terminado uma canção e depois começou outra. «Marchamos pela grande Berlim, lutamos por Adolf Hitler... » e eles em coro repetiam: «Marchamos pela grande Berlim... ». Não podem imaginar! ... Foi uma cena macabra! Pensei para mim: este agitador não dá tréguas" (Franz Neoileter).


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