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Nota: Este texto é um screenplay
de um documentário, daí que o texto esteja preparado
para ser ouvido enquanto se visualizam certas imagens o que
pode causar certa confusão em algumas passagens. Houve
um esforço, de qualquer forma para adaptar as partes
mais confusas.
A II Grande Guerra terminara há duas semanas e nas ruas da
Alemanha vagueavam apátridas, sobreviventes, entre os quais
havia um grupo de soldados. Muitos eram levados, para campos.
Mesmo nos campos, nas caras desses homens o que transparecia,
na maioria dos casos era alívio. A guerra acabara e eles tinham
sobrevivido.
A 23 de Maio de 1945, um dia quente de Primavera, entra no
gabinete do comandante de campo de Lindenberg um homem
magro e adoentado com um uniforme rasgado e uma pala num olho.
Um dos milhões que tinham perdido a guerra. O homem tira a
pala do olho e com a voz cansada profere o seu nome: Heinrich
Himmler.
O dirigente das SS, o chefe da polícia secreta com os seus
batalhões assassinos e com a Gestapo. Criara os super-soldados
das SS cujos homens encontraram a morte em todas as frentes.
Era o ministro do Interior e zelava pelo sossego no interior
do Reich. Mandava matar fora das frentes. Através dos
seus serviços secretos sabia tudo sobre todos. Fomentou o
homem de raça alemã. Por ordem sua foram executadas milhões
de pessoas, exploradas até à morte e metidas em câmaras de
gás. Um homem magro e adoentado...
Himmler vem de um mundo em aparente boa ordem: católico, culto,
civilizado... bávaro. Das biografias nazis é a que mais põe
em causa a formação humanista alemã. Ele, que foi o mais envolvido
nos crimes que se praticaram, não provinha de um sub-mundo
proletário, nem pertencia à multidão de pessoas desenraizadas,
desempregadas, empobrecidas ou mutiladas na guerra em corpo
e espírito.
A sua escola em Landschutt era um liceu humanista de
boa reputação. Muitos, antes e depois dele, estudaram ali
e especialmente grandes figuras da poesia, filosofia e até
um futuro presidente da RFA. O pai de Himmler era o director
da escola. O pai foi um estudante aplicado, exemplar, dos
bons velhos tempos. Muito alemão, muito pedante, moralista
severo mas amável e muito culto. Em caso algum um anti-semita.
E faz tudo para educar o seu filho tão bem como o seu afilhado
de baptismo, o príncipe Heirich da Baviera. Só a cultura poderá
proteger o seu filho e inúmeras outras pessoas dos abismos
espirituais em que vão caindo.
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Nuremberga,
1938
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Himmler participa numa excursão escolar, em 1913, mas quando
a guerra começa fica entusiasmado, como muitos outros rapazes
daquele tempo. Mas a sua crítica trocista dos cidadãos de Anschluss
deixa já transparecer as futuras características do dirigente
das SS: "Os generosos filisteus de Anschluss andam agora
cabisbaixos, espalham boatos terríveis e temem ser massacrados
pelos cossacos. Em toda a Baixa Baviera não há grande entusiasmo
entre os que ficaram. Quando foi anunciada a mobilização diz-se
que todos choraram no centro da cidade. Não esperava isto das
gentes da Baixa Baviera, normalmente tão dadas a rixas" (diário
de Himmler).
Himmler quer forçosamente ser oficial e partir para a guerra
mas é demasiado novo. Só pode deixar o liceu em Junho de 1917.
Ainda cadete assina uma carta aos pais como "soldado Heinrich",
o início de uma mentira que haveria de durar toda a vida. Ao
contrário do seu futuro Führer, Adolf Hitler, Himmler
nunca foi soldado e antes de concluir a sua instrução a guerra
acaba.
Sempre ansiou pela guerra sem fazer ideia de como era na frente.
Carregado de ideais românticos de combates e germanismo, marchou
para o terror de um mundo destroçado por uma guerra industrializada
e que, com os bombardeamentos aéreos e ataques com gás, se precipitava
sem forças para a modernidade.
Em 9 de Novembro de 1923, em Munique, Himmler com a bandeira
de guerra do Reich participa na tentativa golpista de
Hitler. Entra para o partido nacional socialista alemão no séquito
do capitão Röhm. Aí encontra a sua pátria espiritual. "... o
extermínio da raça judaica na Europa. Aí os judeus vão calar
o focinho atrevido e mentiroso. Judá tem de cair e vai cair.
Judá tem de ser eliminado e sê-lo-à, esta é a nossa fé sagrada"
(discurso de Heinrich Himmler).
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Himmler
em 1933
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Em 1926, em Hessen, Henrich Himmler é filmado pela primeira
vez. É vice-chefe de um pequeno sub-grupo das SA, denominado
SS, a força de segurança. Ninguém imaginava no que este se viria
a transformar nem que o homem que o comanda viria a ser o mais
poderoso lugar-tenente de Hitler.
Em Nuremberga, em 1927, Hitler discursa. Atrás dele tem o chefe
das SA e, ao lado deste, Heinrich Himmler. Conhecera Hitler
no ano anterior adoptando-o como a carismática figura autoritária
que lhe faltava pois o seu pai espiritual, Röhm, emigrara para
a Bolívia. Agora Hitler tomava o seu lugar. Himmler transformaria
a fidelidade ao Führer na virtude máxima.
Em 1929, Hitler, Pfeffer, Göring e Himmler que já não é o vice,
mas o dirigente das SS, andavam pela Alemanha fazendo propaganda
e recrutando homens para o partido. Himmler marcha à frente
da sua pequena tropa de 280 homens sob o olhar dos que detêm
o poder no partido. No mesmo ano, em Berlim, já não é assim.
Himmler dera um passo em frente. Já não tem de marchar, já pode
passar revista mas é ainda uma figura de segundo plano.
Um filme de propaganda das SA mostra bem a importância reduzida
de Himmler, em 1929. Nesse filme, o chefe do Estado-Maior, Pfeffer,
manda chamar alguns colaboradores. Heinrich Himmler surge, entre
outros, a apresentar um documento sem ser mencionado o seu nome.
"Himmler tinha um aspecto tímido, nada seguro de si, nada militar
e menos ainda brutal. Parecia um homem um pouco tímido, um burguês...."
(Traudl Junge). "Exteriormente tinha um ar muito inofensivo"
(Max Hollweg). "Não fiquei com nenhuma impressão em particular.
Era sempre simpático quando vinha" (Sr. Borman). "No fundo,
não tinha nenhuma impressão dele" (G. Schenck).
Himmler passava tão despercebido que ninguém deu pela sua carreira.
Vai penetrando furtiva e silenciosamente no centro do poder.
Será essa a sua maior arma. Adopta uma máxima dos prussianos
que mais tarde mandará inscrever nos punhais das SS: "Wehr
Sein Albß Scheinen" (mais vale ser que parecer).
Em 1942, está nas exéquias de Reinhard Heydrich, na chancelaria
do Reich. Provavelmente, sem ele Himmler teria permanecido
um figura sem importância. Reinhard Heydrich era o malévolo
deus da morte, o homem mais perigoso da Alemanha, como lhe chamavam
em Inglaterra. Era um homem resoluto, ambicionando ter a cruz
de ferro. Aprendeu a pilotar e voou em acções de combate até
a obter. Criou nas SS e para Himmler um serviço de segurança,
o SD. Através dele Himmler tornou-se no homem que sabia tudo
sobre todos. O cérebro de Himmler chama-se Heydrich.
O gordo Göring havia-o troçado. Em 1942, passara-lhe a vontade
de troçar. Na sua luta pelo poder sobre Hitler, o discreto Himmler
deixou Göring para trás. Juntamente com Heydrich conseguira
retirar-lhe a Gestapo. Estes foram os trinta dinheiros
de Judas que Himmler recebeu por ter traído o homem que Göring
considerava o seu grande adversário: Röhm, o chefe das SA.
Röhm era amigo de Hitler e Himmler tinha entrado para o partido
através dele. Röhm emigrara para a Bolívia mas Hitler chamara-o
e nomeara-o chefe do Estado-Maior das SA, na tentativa de as
controlar. Röhm ficou assim comandante de um exército de 3 milhões
de homens.
O poder crescente de Röhm era um espinho aos olhos das chefias
do exército do Reich. O ministro do exército, Blondberg,
põe à escolha de Hitler: ou o exército do Reich é o único
detentor das armas ou deixará de apoiar Hitler. Blondberg tinha
a confiança do moribundo presidente Hindenburg. Podia ter destitúido
Hitler do poder mas Röhm apresenta-se como herói do povo. Ninguém,
nem mesmo Hitler, consegue que se concentrem exércitos de tamanha
dimensão como os que Röhm concentrava.
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Himmler
e Röhm
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Röhm transforma as SA num exército popular de camisas castanhas
em que se fala de revolução permanente. Quer tornar-se o chefe
militar da Alemanha e talvez ambicione ainda mais. "Terão de
habituar-se à nossa presença. O Führer incumbiu-nos de
sermos os garantes da revolução e deus sabe que cumpriremos
essa tarefa, tal como cumprimos todas as outras" (discurso de
Röhm, chefe das SA).
As imagens da altura provam que Röhm goza de uma popularidade
impar só comparável à de Hitler. Não só as SA mas também a população
parece apoiá-lo. Röhm começa a constituir uma séria ameaça,
mesmo para o próprio Hitler. Se Hitler procedesse como Estaline
há muito Röhm estaria morto, mas Hitler é um homem táctico
e quer convencer as SA de desistirem de terem armas de guerra:
"Camaradas das SA e das SS! Juventude Hitleriana! O exército
é o detentor das armas da Nação e vós tendes que ser os detentores
da vontade, os detentores da vontade política e criadora da
Nação alemã. O meu único objectivo é ver novamente a Alemanha
grande... e o vosso objectivo tem de unir-se ao meu, a vossa
vontade à minha..." (discurso de Hitler às SA).
As chefias do Exército do Reich limitam-se a ouvir. As
SS de Himmler ainda constituem apenas um grupo das SA. Röhm
é o superior de Himmler. Mas as SS juraram fidelidade a Hitler
e não a Röhm. Se Himmler quiser continuar a subir tem de sair
da sombra de Röhm. Trama, por isso, uma conspiração: por ordem
sua, Heydrich falsifica documentos sobre um putsch que
Röhm estaria supostamente a planear contra Hitler.
Hitler acredita... ou finge acreditar. Com a ajuda das SS, o
poder é retirado às SA, em Junho de 1934, sendo
Röhm e muitos outros assassinados. Não só
o poder é retirado às SA como estas serão
mesmo extintas em proveito da Wermacht, o exército.
"Em 30 de Junho, não hesitámos em cumprir
o nosso dever, encostando à parede e fuzilando camaradas
nossos pelas suas faltas. Apesar de nunca o termos dito, nem
falarmos disso no futuro, todos ficaram horrorizados sabendo,
no entanto, que da próxima vez fariam o mesmo se tal
fosse ordenado e se fosse necessário" (discurso
de Himmler). Ergue-se agora a ordem negra das SS com Himmler
à sua frente. Já não há ninguém
entre ele e o Führer.
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